sábado, 14 de abril de 2012

POST 1487: MARTIN LINDSTROM: "AS PESSOAS JÁ ABRIRAM MÃO DA PRIVACIDADE"

Com o livro Brandwashed – Truques que as empresas utilizam para manipular nossas mentes e nos persuadir a comprar, que será lançado em março pela HSM Editora, o publicitário dinamarquês Martin Lindstrom tem a ambição de revelar os segredos da indústria da publicidade. Consultor de marcas como McDonald’s, Procter & Gamble e Microsoft, Lindstrom conhece de perto as mais novas técnicas para convencer o consumidor a comprar.

E afirma que muitas delas vão longe demais, quebrando os limites da ética e arriscando a confiança das pessoas nas empresas. Entre as táticas condenadas por Lindstrom está a de uma empresa de gloss labial que adicionou uma substância que promove a descamação dos lábios das clientes, forçando-as a reaplicar o produto mais vezes. Outra preocupação de Lindstrom é com o rastreamento online das informações dos consumidores sem que eles estejam cientes disso. Na opinião do publicitário, muitas pessoas já abriram mão de sua privacidade porque não querem se sentir excluídas dos serviços mais populares na internet, mas ainda não se deram conta dos danos que isso pode causar a longo prazo. Leia entrevista:


ÉPOCA – O senhor lançou um livro revelando os novos segredos do marketing. Por que decidiu fazer isso? Algo mudou da sua vida profissional desde então?
Martin Lindstrom –
Não, nada mudou. Na minha profissão, usamos várias técnicas para convencer os consumidores a comprar mais. Mas as coisas talvez tenham ido um pouco longe demais. Os publicitários, e me incluo entre eles, às vezes nos esquecemos dos aspectos éticos. Mas eles tornam-se cada vez mais importantes, em especial num mundo onde as coisas estão transparentes na internet e os rumores se alastram tão rapidamente; onde há fenômenos como o WikiLeaks, que revelou segredos de Estado. As empresas têm que entender que, em breve, não poderão mais manter nada sob segredo absoluto.

Chegará em breve o momento em que as empresas que tentarem manter algo ruim em sigilo enfrentarão conflitos graves. Minha intenção é dar o alerta não apenas para os consumidores, mas para as empresas. Para que elas ponham a casa em ordem e deixem de fazer o que não é eticamente correto. Meu último livro não apenas revela quais são as últimas técnicas de venda, mas sugere um novo código de ética. Esse código surgiu de entrevistas com consumidores e empresas de vários lugares do mundo e pretende dizer o que as empresas devem ou não fazer em seu trabalho. O resultado disso só pode ser positivo. O consumidor gosta quando alguém toma seu partido e expõe os problemas. As empresas, por outro lado, preocupam-se com o que está acontecendo no mercado, mas há pouca gente disposta a dizer que as coisas foram longe demais. Na minha posição, acredito que posso fazer esse papel de questionar a indústria.


ÉPOCA – De que maneira a indústria do marketing foi longe demais?
Lindstrom –
Posso dar vários exemplos, mas dois me chamam mais atenção pela gravidade. Um deles é a questão da privacidade e o chamado data mining, a pesquisa de dados do consumidor. Quando éramos jovens, a privacidade não era um problema. Mas hoje, quando todos usamos celulares e smartphones, e tudo que fazemos é, de alguma forma, registrado, deixamos atrás de nós um imenso rastro de informações que pode ser mal usado de várias formas. Sessenta por cento dos bebês, mesmo antes de nascer, já têm uma pegada digital, uma presença nas redes. Em certos casos, as empresas coletam dados sem o conhecimento do usuário. Se você usa o iPhone, por exemplo, isso acontece 139 mil vezes durante o ano.

É possível rastrear o que você fez durante o período, onde você esteve. A última invenção são os supercookies, espécies de códigos colocados na máquina quando o usuário navega para rastrear quais sites foram visitados e por quanto tempo. Eles são diferentes dos cookies porque são capazes de recuperar todo o seu histórico, mesmo que tenha sido apagado. E o código se esconde em um lugar onde o usuário não consegue apagar. Com essa ferramenta, tudo o que fizemos na internet nos últimos dois anos pode ser descoberto – e usado para propósitos comerciais sem o conhecimento do usuário. Isso para mim é passar dos limites. Nem todas as empresas têm ideia da extensão do problema. Um tipo de supercookie foi criado pela Microsoft, que não estava oficialmente ciente disso, e todos os clientes que estavam comprando publicidade da Microsoft não estavam cientes disso, embora tivessem políticas estabelecendo quão longe poderiam ir. De repente, uma grande parte do mundo corporativo estava violando princípios éticos sem nem saber. Isso causa preocupação.


ÉPOCA – Como o senhor vê as questões sobre a privacidade no Facebook?
Lindstrom –
Com preocupação. Hoje 20% do tempo que todos os consumidores do mundo passam online é gasto com o Facebook. Estima-se com alguma precisão que, em 2015, 50% do tempo que os usuários passam online será gasto no Facebook. Se isso acontecer de fato, todo o histórico das pessoas será rastreado. Não só o que elas fazem, mas o que as pessoas pessoas as veem fazendo, especialmente com o melhor funcionamento de tecnologias como o reconhecimento de fotos e sua marcação. Isso significa que, se eu tirar uma foto na rua, e você estiver, por coincidência, sentada num café com seu amante, aquela imagem pode ser marcada sem seu conhecimento e publicada em seu perfil.

Então, o mundo inteiro pode ficar sabendo que você estava em um café com um amante, e você não pôde dizer nada sobre isso. Esse é o tipo de questão que levantamos hoje e que será um dos grandes problemas do futuro, já que tudo está ficando cada vez mais integrado. É muito tentador para as empresas: elas podem sair do trilho e cometer algum abuso porque sabem em qual café você esteve, qual o seu perfil de consumo. Mas as empresas têm que ter consciência de que esse é um caminho muito perigoso.


ÉPOCA – Mas muitas pessoas parecem não estar preocupadas com a questão da privacidade. Elas parecem aprovar a troca de seus dados por serviços de graça.
Lindstrom –
Fiz vários grupos de pesquisa sobre privacidade com consumidores em vários lugares do mundo e a maioria já abriu mão. Porque o custo de manter 100% de suas informações privadas é tão grande no mundo atual que as pessoas se sentem como se estivessem fora da comunidade. A maioria se sente quase forçada a isso. Mas o principal problema é que elas ainda não viram as consequências de abrir mão da privacidade. As pessoas que passaram pela Segunda Guerra Mundial, contudo, sabem dos problemas relacionados à violação da privacidade.

Eu nasci em um país vizinho da Alemanha e tenho muita consciência dos problemas que aconteceram naquela época. Mas grande parte das novas gerações não tem ideia de que as coisas podem dar muito errado. As pessoas trocam uma foto por um cupom de desconto, por exemplo, mas não se dão conta de que, dez anos depois, aquela foto ainda vai estar disponível – e não poderá ser apagada de seu passado. As pessoas ainda não se deram conta dos riscos porque eles só vão aparecer daqui cinco, dez anos. Mas aí será tarde demais. Por ora, as consequências parecem muito irreais.


ÉPOCA – O senhor afirma, em seu livro, que as informações gravadas via internet podem substituir a pressão dos vizinhos na tendência de consumo.
Lindstrom –
As informações que deixamos na internet podem ser usadas de várias maneiras. Por exemplo, no meu último livro, falo de um experimento que colocou 200 pessoas andando a esmo numa sala. Então, cinco são selecionadas cuidadosamente para, sem alarde, começar a caminhar em sentido horário. Em sete minutos, toda a sala estava andando em sentido horário. Quando questionados por que estavam andando em sentido horário, simplesmente disseram que haviam começado a andar daquele modo – embora, na realidade, tivessem apenas seguindo. É um caso muito bom para mostrar como seguimos uns aos outros sem perceber e acreditamos que estamos liderando. Transportando isso para o marketing, acontece muito com as listas de dez mais, cem mais, que mostram os produtos mais populares.

No futuro, isso poderá ser estendido para o Facebook que, no próximo mês, vai começar a usar um sistema que permite aos outros usuários ver a que filme está assistindo, que músicas está ouvindo, que games está jogando. Tudo o que fazemos e escrevemos vai ser transparente para os outros. E os outros serão transparentes para você. Quando isso acontecer, como somos profundamente curiosos sobre a vida uns dos outros, vamos começar a olhar isso o tempo todo. E quando sair um novo filme e você tiver visto que eu vi, pode ir ver porque talvez seja interessante. E alguém pode ir ver porque você achou interessante. De repente, o que acontece é que um filme pode ficar popular muito rápido logo depois de ser lançado. E o Facebook pode pesquisar os dados para descobrir as 200 pessoas que começaram essa corrente. As pessoas que, aparentemente, têm mais influência sobre as outras. Depois dessas 200 pessoas, o Facebook pode encontrar as outras 600 mais influentes na escala. Então, na próxima vez em que uma empresa for lançar um produto, pode olhar apenas para as 200 pessoas mais influentes da rede, porque os outros as seguirão. Isso já está acontecendo em uma escala menor com o Gmail, o email do Google. Digamos que eu esteja comprando uma passagem para a Nice, na França, e tenha falado sobre isso por email.

O sistema reconhece e coloca uma publicidade de agência de viagem, por exemplo, na minha tela. Mas o sistema pode perceber que eu estou falando dessa viagem com vários de meus amigos e considerar que eu tenho influência sobre os outros. Então o código associado a mim levará em conta minha habilidade de influenciar os outros – e os anúncios que aparecerão na minha tela serão mais caros. E, de repente, eu serei uma pessoa tipo A e os outros serão tipo B, C, D... E quando formos fazer uma campanha para um novo produto da Apple, por exemplo, posso decidir que é melhor focar na comunidade do tipo B, que tem um pouco menos de influência, mas custa, digamos, 20 centavos a menos por pessoa. O marketing continua sendo baseado na comparação entre os pares, mesmo que não percebamos.



ÉPOCA – O senhor afirma que as práticas atuais de marketing atingem até os fetos nas barrigas das mães. De que forma isso acontece?
Lindstrom –
Muitos estudos científicos provam que, mesmo antes de nascer, somos capazes de reconhecer sons e sabores a que a mãe foi exposta durante a gravidez. Várias marcas têm trabalhado com a questão dos sabores. Mas ainda não temos evidências de que sons ligados a marcas conseguem nos afetar. Um estudo conduzido no Reino Unido pesquisou mulheres que, durante a gravidez, assistiam a um programa de TV específico. Eles descobriram que as mães eram afetadas pela música de abertura e, depois, seus bebês reagiam a ela. Eles ficavam mais calmos ao ouvi-la – e não ao ouvir a abertura de outros programas. No grupo de controle, as mães não assistiram ao programa e seus bebês não reagiam ao ouvir sua abertura.

Essa foi a primeira vez que vimos que uma música associada a um produto pode nos afetar. Quanto ao sabor, uma marca asiática de café fez balas com o sabor da bebida e as deu para grávidas. Quando as crianças nasceram, eles notaram que os bebês mostravam uma preferência pela marca e começavam a beber café muito mais cedo – mesmo sem a permissão materna. Isso mostrou como somos sensíveis às experiências ainda no útero e isso pode influenciar nossa percepção das marcas. Mesmo sem evidências científicas mais fortes, algumas empresas estão praticando isso. Talvez indo além dos limites aceitáveis. Para mim, os publicitários têm que tratar os consumidores como tratariam seus próprios filhos.


ÉPOCA - O senhor denuncia o caso de uma empresa que colocou uma substância química para tornar seus batons viciantes.
Lindstrom -
Muito provavelmente não só a marca que exponho em meu livro faz isso, mas todas as marcas de gloss americanas devem fazer. Não tenho evidências disso, porque a única empresa que admitiu o uso foi a que citei. A substância “come” parte do tecido vivo dos lábios, tornando-os mais sensíveis e levando a pessoa a usar mais vezes o gloss. Falando assim, não é nada sedutor. Mas, mais uma vez, há empresas um pouco longe demais. E os consumidores não estão cientes disso.


ÉPOCA – Trabalhando com marketing, o senhor se considera mais imune às estratégias das empresas para vender mais?
Lindstrom –
Eu esperava não ser tão afetado, mas percebi que não conseguia viver sem comprar. Mas não vivo em uma fazenda, vivo em aviões e hotéis, viajando, e isso me torna mais dependente de comprar coisas. Sei de todas as estratégias, mas dependo tanto quanto os consumidores comuns das marcas. Minha tentativa de ficar um ano sem comprar nada de marca me mostrou o quanto é difícil viver à parte do mundo comercial. O primeiro passo é admitir isso. O segundo é garantir que as marcas, das quais dependemos, estão agindo de boa fé.


ÉPOCA – Até que ponto a publicidade está usando os conhecimentos da neurociência para melhorar suas estratégias de venda?
Lindstrom –
Em meu outro livro, Buyology, exploro como a neurociência vai se tornar uma constante do marketing no futuro. Fiz um estudo de US$ 7 milhões sobre como o cérebro dos consumidores se comporta e foi apenas o início para entender como essa relação complexa se dá. Mas é certo dizer que tudo que aprendemos da neurociência vai ser usado na publicidade porque a publicidade como conhecemos não está funcionando.

As pessoas estão assistindo aos comerciais de TV como se fossem um ruído. Elas não escolhem o que consumir por eles. Por isso acredito que a neurociência vá ter um papel crescente. Nosso papel é zelar para que o uso seja positivo, e não ultrapasse os limites do razoável, não induza os consumidores a comportamentos de que eles não têm ideia. Cada caso deve ser avaliado individualmente.


ÉPOCA – Buyology é tido como uma atualização de um livro dos anos 50 chamado The Hidden Persuaders, que expôs pela primeira vez as estratégias de publicidade. O que mudou daquela época para cá?
Lindstrom –
Nos anos 1950, o marketing estava dando seus primeiros passos. Mas era, na verdade, mais eficiente, porque as pessoas prestavam atenção à publicidade, que não era tão onipresente como hoje. É difícil fazer qualquer comparação com aquela época e hoje porque são mundos completamente diferentes. Os comerciais têm ficado mais sofisticados para captar a atenção dos consumidores, mas, em muitos aspectos, também ficaram mais bobos. Muitos dos comerciais daquela época eram mais inteligentes e mais eficientes.

Muitos dos programas de TV tinham inserções de produtos. Mas elas eram tão naturais e tão presentes que eram muito mais efetivas. Depois tudo foi indo só para os intervalos comerciais em filmes cada vez mais curtos, 15 segundos, 10 segundos. O efeito, com isso, diminuiu. A atenção que as pessoas prestavam diminuiu e a chance de uma marca criar uma voz nesse intervalo foi reduzida ao mínimo. A publicidade tem sido autodestrutiva em muitos aspectos. E, por isso, tem que achar novas formas para sobreviver.



FONTE: ÉPOCA

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