terça-feira, 27 de dezembro de 2011

POST 1151: REVISTA RI: ENTREVISTA DO ECONOMISTA RICARDO AMORIM SOBRE TENDÊNCIAS EM 2012

RI: Em entrevista a Revista RI em março de 2009, você previu que a crise deflagrada pelo estouro da bolha do subprime no mercado americano, ia demorar anos e não meses ou trimestres e que os países desenvolvidos não estavam se dando conta disso. De lá para cá a crise, que no início quebrava bancos, passou a derrubar países. Devemos acrescentar 2012 nesses anos?
Ricardo Amorim: Sem dúvida nenhuma. Chegou a hora da verdade na Europa. Como venho alertando nos dois últimos anos, o projeto da Zona do Euro, como inicialmente concebido, é insustentável. A União Europeia nasceu com o objetivo de integrar diversos países, tornando-os mutuamente dependentes, reduzindo assim riscos de conflitos entre eles, inclusive bélicos. Infelizmente, em seu formato atual, a coesão não é suficiente para atingir esta meta. Pelo contrário. Hoje, um mix de interdependência monetária e cambial e uma completa independência fiscal está exacerbando as tensões políticas entre os países da zona do euro.

Muito em breve, a Europa terá de decidir entre mais coesão, perda de autonomia nacional ou, o caminho oposto, revertendo seu projeto mais ambicioso e seu mais importante instrumento de integração: a moeda comum, com a saída de um ou vários países da Zona do Euro. Mais integração exige a adoção de medidas politicamente impopulares tanto pelos países em situação financeira frágil, quanto pelos que atuariam como âncora da Europa unida. Por um lado, Grécia, Portugal, Irlanda, Espanha e Itália teriam que abrir mão de boa parte de sua soberania fiscal para a União Europeia.

Quer um paralelo? Imagine que, em meio a uma crise no Brasil, fossem anunciados a criação de novos impostos, o aumento de idade de aposentadoria e o fechamento de hospitais por decisão do governo do Mercosul.

Por outro lado, a Alemanha teria que financiar uma enorme expansão dos recursos do fundo de resgate europeu e a criação de “bônus europeus” que transferem à todos os membros da Zona do Euro a responsabilidade pela dívida de cada um deles e aceitar a emissão de euros pelo Banco Central Europeu para compra de títulos de países em dificuldades – o que causará desvalorização da moeda e aceleração da inflação. Consegue imaginar o Brasil aceitando a volta da inflação para ajudar a Argentina ou se responsabilizando pela dívida do Paraguai? A Europa terá de decidir se quer e se consegue avançar na integração.

Sem isso, calotes soberanos e uma nova crise econômica global são inevitáveis. Ambas alternativas são difíceis e dolorosas. Não existe a opção do status quo. Além de seus impactos sobre as perspectivas de crescimento global no próximo ano, a decisão europeia será fundamental para definir todo arcabouço da economia mundial na próxima década. Se optar pela integração, para ter sucesso, a Europa terá que ser apoiada por organismos internacionais – cuja própria sobrevivência dependerá de sua capacidade de apoio e de cobrança de medidas duras – e, principalmente, pelos novos donos do dinheiro no mundo, os países emergentes, capitaneados pela China.

Para isso, europeus, americanos e japoneses terão de reconhecer, formalmente, sua atual dependência financeira de países historicamente periféricos e realizar uma enorme transferência de poder para eles nos organismos multilaterais.

Se todos não formos capazes de darmos passos tão grandes, o processo de desintegração econômica e recessão na Europa pode virar a semente de movimentos protecionistas que revertam a globalização das últimas décadas, podendo, no limite, colocar em risco o próprio sistema capitalista. Mesmo assumindo que a crise europeia será resolvida, o processo de desalavancagem nos países desenvolvidos terá de continuar ao longo da década.

Entre 1980 e 2007, houve um enorme aumento de endividamento de famílias, empresas, setor financeiro e governos dos países desenvolvidos. A crise de 2007 marcou o início do processo de desalavancagem, que durará, no mínimo uma década, com crescimento baixo e muito volátil nos países desenvolvidos, que, ao longo desta década ainda terão de lidar com outras crises importantes – incluindo estados e municípios e cartões de crédito nos EUA e dívida do governo japonês.

RI: Neste sentido, você acredita que desta vez a crise chegará mais forte aos emergentes como Brasil e China?
Ricardo Amorim: Isto vai depender de como a crise avançará na Europa. Se os países europeus forem capazes de se integrarem, apesar dos desafios políticos, teremos uma recessão global em 2012 mais branda do que a de 2009. Se não forem, a crise nos países desenvolvidos e seus reflexos nos países emergentes serão maiores do que em 2009, porque desta vez a crise financeira pode ser maior – estamos falando de vários países em crise e não apenas de um grande setor de um grande país, o imobiliário americano. Para piorar, os países desenvolvidos gastaram os principais instrumentos de resposta à crise na crise passada. Atualmente, não podem mais estimular suas economias com política fiscal expansionista porque a crise é fiscal.

Também não podem mais reduzir juros, que, na maioria dos casos, já estão muito próximos a 0% a.a. O único instrumento de resposta que sobrou, imprimir quantidades colossais de moeda, é o mais ineficiente e com os maiores efeitos colaterais, como nós brasileiros sabemos bem.

RI: Em 2008, o ex-presidente Lula dizia que a crise, um tsunami no mercado internacional, chegaria ao Brasil como uma marolinha. Agora, em 2011, a presidente Dilma mudou o discurso. A mudança foi acertada? Em que medida?
Ricardo Amorim: Lula acertou em cheio no tsunami. A marolinha foi discutível. No varejo brasileiro, efetivamente, tivemos apenas uma marolinha em 2009, quando as vendas cresceram mais de 6% em termos reais. Já na indústria, que sofre com a perda de exportações para mercados em crise, houve queda de produção industrial de 7%. Em 2012, é provável que a história se repita, com forte crescimento de varejo e serviços e contração da produção industrial.

RI: Como a mudança afeta os cenários econômicos desenhados para 2012 e qual seu impacto no mercado de capitais brasileiro? É melhor desde já, alertar que “apertem os cintos” e desejar um Feliz 2013?
Ricardo Amorim: Uma recessão mundial é muito provável em 2012. Seus primeiros sintomas já se sentem no Brasil, com a indústria e o comércio se retraindo, a inflação começando a cair e o Banco Central cortando os juros. O cenário econômico será bastante adverso no início de 2012 e o crescimento será baixíssimo, como em 2009. Por outro lado, a economia brasileira se recuperou no segundo semestre de 2009 e é provável que se recupere também no segundo semestre do ano que vem, inclusive com reabertura dos mercados de capitais. Em 2010, o país teve seu maior crescimento em mais de 25 anos. É provável que a história se repita e o nosso crescimento bata recordes em 2013 e mantenha-se elevado em 2014, ano de Copa do Mundo e eleições.

RI: Na sua visão, ações de empresas de quais setores da economia serão mais afetados?
Ricardo Amorim: Se a crise europeia se intensificar, provocando uma nova crise financeira, a Bolsa brasileira ainda pode passar por baixas significativas afetando todos os setores antes de atingir um novo movimento sustentado de alta.

Independentemente disso, quando acontecer, o novo ciclo de alta provavelmente será liderado pelos mesmos setores do último ciclo de alta: construção civil, bancos médios, empresas exportadoras de commodities e varejo. A alta só acontecerá quando houver perspectiva de recuperação global e, por consequência uma retomada da alta dos preços das commodities. Além disso, como o único instrumento de estímulo que restou aos países ricos é emissão monetária, uma grande parte desta emissão monetária acabará estimulando o crédito e o consumo em países emergentes – e, como no último ciclo, os setores mais dependentes de crédito nestes países terão melhor desempenho.

RI: A BM&F Bovespa tem trabalhado com afinco para trazer mais investidores internacionais, mais recentemente asiáticos, para o mercado local. Já bolsas asiáticas vêem prospectando empresas brasileiras para levar para seus pregões. Que fatores fazem com que um ou outro tenha mais chance de vencer essa disputa?
Ricardo Amorim: Não acho que são movimentos excludentes, mas sim complementares. Ambos são reflexos do crescente interesse de investidores globais por oportunidades no Brasil e ambos vão continuar.

RI: Como você avalia o papel da China para o desempenho da nossa economia e do mercado de capitais brasileiro em 2012?
Ricardo Amorim: Absolutamente fundamental. Se o crescimento chinês se enfraquecer, o que deve acontecer devido a recessões na Europa e nos EUA, uma queda do preço das commodities e fortes impactos negativos no Brasil serão inevitáveis. Por isso, acredito que o crescimento brasileiro em 2012 será muito menor do que os 5% previstos pelo governo e mesmo os 3,5% previstos pela maioria dos analistas e economistas.

RI: A China já é o maior parceiro comercial do Brasil. O comércio com a China pode evitar perda para a balança comercial brasileira decorrente da redução das transações com a Europa e EUA?
Ricardo Amorim: No início da década passada, 27% das exportações brasileiras chegaram a ir para os EUA, enquanto 15 vezes menos, menos de 2% do total de nossas exportações iam para a China. Atualmente, já exportamos quase o dobro para a China comparado com os EUA. Esta tendência vai continuar, até porque o preço das commodities que exportamos para a China continuará em elevação ao longo da década, apesar das enormes flutuações de curto prazo devido a crises esporádicas nos países desenvolvidos.

RI: Até agora a China tem apresentado altas taxas de crescimento econômico, apesar da crise. Até que ponto ela pode atenuar a recessão prevista para economia internacional, diga-se Europa e EUA?
Ricardo Amorim: A China atenuará os impactos negativos causados pela recessão da Europa e EUA, mas não impedirá que impactos significativos sejam sentidos em todo o mundo, da mesma forma que atenuou, mas não impediu em 2008 e 2009. Na realidade, a situação chinesa é pior do que em 2008 porque sua economia já estava em desaceleração quando a situação piorou na Europa e nos EUA. Por isso, sua capacidade de impedir uma recessão global também é mais limitada.

RI: Já existe alguma previsão de se, e quando, Europa e EUA poderão ver um happy ending para suas economias?
Ricardo Amorim: Temo que isto ainda esteja muito distante.
Os desequilíbrios que estão sendo revertidos foram gerados ao longo de quase 3 décadas. A única forma de revertê-los rapidamente seria com uma crise de proporções semelhantes a da Grande Depressão. Caso contrário, teremos, no mínimo uma década de crescimento letárgico, pontuada por crises esporádicas.

RI: A moratória foi uma boa saída para a Grécia?
Ricardo Amorim: A Grécia não tinha outra opção. Sua dívida era insustentável. Mega-transformações da economia mundial “condenaram” vários países emergentes, incluindo o Brasil, a crescer e, ao mesmo tempo, criaram obstáculos significativos às economias dos países ricos.

A isso, somam-se os defeitos congênitos da Eurolândia a requerer ajustes profundos e dolorosos. Ao contrário do que muitos dizem, não há nada de surpreendente nas sérias dificuldades econômicas vividas por EUA e Europa.

Também não surpreende que os líderes políticos destes países sejam culpados pelo mau desempenho econômico, com derrotas recentes das coalizões de governo nas eleições em oito países europeus. Surpreendente são os suicídios políticos que antecipam e potencializam dificuldades que já seriam graves.

Os melhores exemplos vêm da Itália e dos EUA. Inevitavelmente, a crise europeia contaminaria a Itália no futuro. População envelhecida e em queda, uma das dez menores taxas de crescimento econômico e um dos maiores níveis de dívida pública do mundo – que tornam a solvência italiana muito vulnerável a elevações das taxas de juros – fazem da Itália um alvo óbvio. Apesar disso, sem a arrogância de Berlusconi, que fragilizou seu ministro de Economia e a própria confiança no país, é provável que a Itália passasse ilesa por muitos meses ainda.

Nos EUA, a antecipação das preocupações foi ainda mais brutal. Por ter a moeda “mais aceita” no planeta, os EUA eram considerados porto seguro, apesar de terem níveis de déficit público e de expansão da base monetária que se igualam aos do Brasil no período hiper-inflacionário. Eis que um impasse no Congresso para a elevação do limite de endividamento público chama a atenção geral de que “o rei está nu”. Não fosse a inexequível exigência dos republicanos de que todo ajuste fiscal aconteça através de corte de gastos públicos, sem nenhuma reversão dos cortes de impostos realizados pelo governo Bush, em vez das seguidas reduções de classificação de risco por parte das agências de rating, poucos haveriam notado os pés de barro do gigante.

A exposição desnecessária das fragilidades americanas em escala global demonstra a total falta de compreensão pelas lideranças americanas da seriedade da situação em que o país se encontra. Ignorar a realidade desafiadora – como se os problemas sumissem se fizéssemos de conta que eles não existem – caracterizou também a crise italiana. Imaginava-se que os países mais ricos do planeta haviam criado sistemas e instituições aptas a lidar com crises. A verdade é que, períodos prolongados de sucesso econômico levaram esses países à incapacidade de ver a magnitude dos seus desafios.

No Brasil, décadas de desempenho econômico pífio alimentaram a ideia de que o País não podia dar certo. No mundo desenvolvido, o sucesso gerou a crença de que seus países não podem ser atingidos por grandes crises – coisa de repúblicas de bananas – incapacitando-os a impedi-las ou limitá-las, tornando-as inevitáveis.

RI: Então, você acredita que são grandes as chances de Itália e Espanha, que ao contrário da Grécia são grandes economias da Zona do Euro, de seguirem o mesmo caminho?

Ricardo Amorim: Infelizmente, as chances são bastante grandes. Espanha, Itália e até a França também tiveram elevações de seus custos de financiamento a níveis insustentáveis.O custo de se proteger de um calote do governo francês, um país teoricamente com classificação de risco AAA, é mais alto do que o de se proteger de um calote do Brasil. Em outras palavras, os mercados acreditam que o risco de um calote francês é maior do que de um calote brasileiro. Na Espanha, um pacote similar aos oferecidos à Grécia, Portugal e Irlanda, cobrindo três anos de necessidades de financiamento, exigiria € 450 bilhões. Hoje, UE e FMI não dispõem de tanto dinheiro, mas talvez consigam o que falta através de um grande aporte da Alemanha.

O caso da Itália é mais complicado. Mesmo que o governo consiga implantar as duras medidas anunciadas – o que é incerto – dificilmente este pacote será suficiente. Se a taxa de financiamento da Itália, que tem a terceira maior dívida do planeta, continuar subindo, o país necessitará de uma fonte alternativa para cobrir os € 850 bilhões de suas necessidades de financiamento nos próximos três anos, recursos acima do que Europa e FMI podem suprir.

Em tese, haveria soluções para evitar o colapso ou, no mínimo, adiá-lo por anos. A criação do “bônus da Europa”, que substituiria dívidas nacionais por dívida conjunta de toda a Europa, é uma delas. Para aceitá-la, a Alemanha exigirá que países em crise cedam sua soberania fiscal para a União Europeia, algo inaceitável em vários deles. Outra opção é intensificar a impressão de euros pelo BCE para compra de títulos dos países que não conseguem se financiar no mercado. Leva à maxidesvalorização cambial e forte aceleração da inflação. Inaceitável pela Alemanha.

Outra possibilidade seria uma megacapitalização do FMI pelos países emergentes, os únicos em condições de fazer isso, atualmente. Aí, o Fundo teria recursos para lidar com a crise. A arrogância europeia na substituição do presidente do FMI tornou esta alternativa improvável. Sobra a opção do calote de um ou mais países da Europa. Se acontecer, causará perdas a todos os bancos europeus, forçando-os a contrair a oferta de crédito e exportar a recessão ao resto da Europa e, daí, a todo o planeta. Ao contrário de 2008, países ricos não poderão estimular suas economias reduzindo impostos e aumentando gastos.

Desta vez, a crise é fiscal. Tampouco poderão reduzir juros, já próximos de zero. Pelo menos por lá, é provável que esta crise seja pior que a de 2008. Como em 2008, o Brasil será atingido pela queda na demanda e no preço de suas exportações.

Como em 2009, a crise será menos profunda e duradoura do que no “mundo rico”. Como em 2010, uma vez passado o auge da crise global, o Brasil deve bater recordes de crescimento.

RI: Que impacto isso teria para a União Européia? A crise desses países ameaça sua existência?
Ricardo Amorim: Sim. Há 2 anos, escrevi um artigo chamado “A Tragédia Européia” em que prognosticava que ou a Zona do Euro se despedaça ou a crise da dívida pública vai piorar muito. Provavelmente, os dois ocorrerão. “Quase me internaram”. De lá para cá, minha convicção aumentou.

A tragédia grega foi só o início do acirramento das tensões no Velho Continente. A fim de expandir mercados para exportações e reduzir seu custo de financiamento, os países da Zona do Euro abriram mão de controle sobre política cambial e monetária. Só que cada um manteve sua soberania política e fiscal. Seus governos taxam cidadãos e gastam dinheiro público como bem entendem e, quando os gastos ultrapassam receitas, emitem dívida livremente, como qualquer outro país. Esta dicotomia entre políticas monetária e cambial idênticas e políticas fiscais independentes se sustentou até aqui por duas razões: nos anos que antecederam o colapso do mercado imobiliário americano, época de dinheiro abundante, investidores faziam “vista grossa” a desequilíbrios fiscais. Além disso, até 2007, estes desequilíbrios eram bem menores.

Ao eliminar trilhões de dólares da riqueza mundial, a crise levou investidores a se preocuparem com à quem emprestam. Para piorar, a situação fiscal dos países europeus se deteriorou, em alguns casos, muito. Governos viram-se forçados a socorrer instituições financeiras à beira da falência e consumidores endividados até o pescoço, muitos deles sem emprego.

Para evitar uma recessão ainda mais profunda, aumentaram muito gastos e déficits, que em diversos casos já não eram pequenos. Para financiar a gastança, emitiram quantidades enormes de dívida pública. Os investidores começaram a desconfiar que dívidas e déficits tão grandes dificilmente serão pagos e cortaram o financiamento, bem na hora em que os europeus mais precisavam. Surge aí a insustentabilidade da Zona do Euro. Países que, no passado, conseguiram sair de uma situação parecida como a dos chamados “porcos” europeus – da sigla PIGS, iniciais de Portugal, Irlanda/Itália, Grécia e Espanha (Spain, em inglês) –, sem ter de passar por um calote, adotaram um mix de estímulo monetário, desvalorização cambial, ajuste fiscal e ajuda externa.

Aí que a porca europeia torce o rabo. Na união monetária, cada país não tem controle sobre estímulo monetário ou desvalorização cambial. Além disso, cortes de gastos públicos– leia-se salários de funcionalismo público, aposentadorias, programas de governo, etc. – provavelmente não serão politicamente viáveis. No campo da ajuda externa, entraves políticos também emperram. Em nome da soberania europeia, o apoio financeiro do FMI foi dispensado.

As dívidas dos PIGS são tão grandes que um pacote de resgate vindo da única economia grande e sólida da Europa, a Alemanha, talvez deixe a própria em situação crítica. Além disso, convencer um trabalhador alemão de 67 anos a sustentar o sistema de previdência da Grécia, onde alguns se aposentam aos 54 anos, não parece tarefa fácil. Ou a Zona do Euro se despedaça ou a crise da dívida pública europeia vai piorar muito. Provavelmente, os dois. Com o esfacelamento da Zona do Euro, a própria União Europeia corre riscos.

RI: O mercado norte-americano sempre foi considerado porto seguro. Natural em se tratando da maior economia do mundo e de sua hegemonia global. Mudou alguma coisa com a reconhecida falta ou falha de regulamentação de seus mercados exposta mais uma vez pela crise do subprime? A primeira vez foi com a quebra da gigante de energia Enron, que levou à criação da lei Sarbanes-Oxley (Sox).
Ricardo Amorim: Por ser o maior mercado e por falta de outras opções, em momentos de pânico, grandes investidores continuam optando em levar seus recursos para os EUA. No entanto, tirando a enorme vantagem de se financiar em sua própria moeda, o dólar, a situação dos EUA não é melhor do que a dos países europeus que estão em crise. A dívida do governo federal americano só é menor do que da Itália e da Bélgica e o déficit público só é menor do que o grego. Em resumo, o que costumava ser chamado de fuga para qualidade, a compra de títulos do Tesouro americanos em momentos de crise, hoje não passa de fuga para liquidez.

RI: Neste sentido, com o provável rebaixamento pelas agências de risco, do rating dos títulos do Tesouro norte-americano, você acredita que, neste cenário, a China começará a se desfazer de suas posições nestes papéis? E, nesse caso, quais seriam as conseqüências?
Ricardo Amorim: A China não tem para quem vender a imensa quantidade de títulos do Tesouro americano que detém, mas há 3 anos vem reduzindo a praticamente zero a compra de novos títulos e deixando os que tem vencerem. Este processo continuará. Aliás, desconfio que uma parcela crescente deste dinheiro acabará financiando projetos de infra-estrutura no Brasil, com um retorno financeiro muito mais elevado e ajudando a diminuir o gargalo enfrentado pelos chineses. Quando nossas commodities não chegam à China por falta de infraestrutura apropriada de transportes, nosso gargalo se transforma em gargalo para eles.
RI: A segurança do mercado brasileiro tem sido ressaltada por especialistas em governança corporativa.
Segundo afirmam, a regulação brasileira é superior a de mercados de países desenvolvidos. Casos como o da recente quebra da corretora americana MF Global, ou de vários bancos não aconteceriam no Brasil, ressaltam. Qual é sua opinião a respeito?

Ricardo Amorim: Nunca devemos acreditar que nossa regulamentação é perfeita porque isto nos levaria a baixar a guarda e ficar mais vulneráveis, mas, de fato, décadas de crises seriais forçaram o Brasil adotar regras muito mais rígidas que outros países, o que acabou se transformando em uma vantagem.

RI: Para concluir, na sua visão, o que o Brasil precisa fazer para se tornar um centro financeiro global?
Ricardo Amorim: Em primeiro lugar, precisamos de regras mais estáveis. Mudanças como as referentes à cobrança de IOF sobre investimentos estrangeiros não ajudam.
Em segundo lugar, precisaríamos tornar o Real uma moeda conversível. Sem isso, nunca seremos um centro financeiro global. Aliás, toda legislação cambial brasileira é anacrônica. Toda ela foi montada para o país que dava errado, que precisava de instrumentos para impedir uma fuga de capitais do país. Por exemplo, nossos exportadores são forçados a trazerem os dólares referentes a vendas de produtos ao exterior, aumentando a oferta de dólares no país.

Além disso, também não podem manter contas em dólar no país, sendo forçados a vendê-los aos bancos, derrubando a cotação do dólar. Da mesma forma, na prática, a legislação tributária impede os fundos de pensão a investir no exterior. Em resumo, toda legislação foi montada quando nosso problema era falta de dólares e, consequentemente, uma moeda muito desvalorizada.

Hoje, nosso problema é exatamente oposto e a legislação continua mesma. Em outras palavras, o Brasil mudou para melhor, mas nossos legisladores parecem ainda não acreditar nisso.


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FONTE: Revista RI de  12/2011
Por Ronnie Nogueira e Lúcia Rebouças


Ricardo Amorim
Formado pela Universidade de São Paulo, com pós graduação pela ESSEC de Paris, o economista Ricardo Amorim foi um dos poucos que anteciparam a crise elétrica brasileira de 2001, a crise imobiliária americana de 2008, a crise européia de 2010 e suas consequências.
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