Uma vez recebemos em casa um casal amigo da família. Conversa vai, conversa vem, uma hora eles disseram que tinham um relacionamento muito bom, pois quase não brigavam ou discutiam entre eles. Falavam com orgulho do clima de tolerância que ambos cultivavam e como será importante o casal saber 'engolir sapos' para manter a relação. Eles falavam com tal convicção e orgulho que cheguei a me sentir um péssimo marido. Poucos meses depois eu soube que eles se separaram. Fiquei surpreso no início, pois jamais imaginaria que um casal que se entendia tão bem podia terminar assim.
Mas, pensando melhor, cheguei à conclusão que talvez esta tolerância mútua pudesse ter sido o próprio motivo da separação. Um casal que se tolera não necessariamente é um casal que se entende, pelo contrário. Eu e minha esposa concordamos e temos afinidades sobre muitas coisas, mas também discordamos e discutimos sobre pontos divergentes. Até brigamos eventualmente quando as divergências são muito grandes e a relevância idem. Os conflitos são necessários em todas as relações interpessoais verdadeiras. Assumir uma postura defensiva para proteger a si mesmo ou ao outro é muito perigoso no longo prazo, pois os 'sapos' vão inevitavelmente se acumulando até explodir.
O grupo humorístico Casseta & Planeta está voltando à telinha depois de um período sabático em que repensou o modelo do programa e tiveram a oportunidade de se reinventar. Como eles têm várias atividades além do programa que envolve vários membros, em suas reuniões semanais a pauta das atividades da semana é discutida. Com frequência, acontecem vários 'quebra-paus' nestas reuniões, pois cada um tem um ponto de vista sobre uma idéia e quer defendê-lo. Quem ouve a gritaria do lado de fora já está até acostumado, pois todos sabem que no final acaba tudo bem, o que foi decidido é garantido e assumido por todos e saem todos abraçados. Bem, eles sabem trabalhar em TIME! Mais do que uma equipe, um time cultiva uma relação de confiança e comprometimento mútuo que permite que todos tenham a liberdade de ser transparente sem machucar ou ferir o orgulho ou brios do outro.
Se, em favor do grupo, você prefere se calar para não gerar nenhum conflito ou correr o risco de se indispor com alguém, você pode até se sentir parte da equipe, mas não trabalha em time. A democracia e igualdade de leis e regras para todos é uma forma de forçar o trabalho em equipe, mas não reflete o espírito do time.
A indisciplina em cumprir horários e participar dos treinos que marcava a personalidade do agora deputado Romário sempre foi criticado pelos companheiros. Um time reconhece que existem diferenças entre as pessoas e suas funções. Se a um atacante finalizador, como ele era, é exigido apenas que esteja no lugar certo e na hora certa, o time deve entender que ele não precisa necessariamente se adequar incondicionalmente ao mesmo treinamento que um zagueiro, que precisa voltar para marcar rapidamente. Para Romário, as regras impostas não faziam sentido para ele. A padronização das regras iguala todos porque o espírito de equipe diz que o que vale para um deve se aplicar a todos e as pessoas se ofendem quando um quebra a regra, mesmo que justificadamente. Um time não funciona assim. As pessoas num time colaboram e se dispõem a fazer o trabalho do outro quando necessário, sem melindres ou cobranças posteriores. Num time, a máxima 'Todos são iguais perante a lei' não vale.
O sentimento das pessoas em uma equipe é 'Precisamos ter uma regra para isso, senão as pessoas não fazem', enquanto o sentimento que impera no time é 'Eu preciso fazer isso, pois fizeram por mim'. No time, o comprometimento é com as pessoas e não com as regras, o grau de maturidade e da consciência de que o todo é mais importante do que as partes é maior do que em uma equipe.
Uma vez trabalhei numa empresa em que o presidente tinha o hábito de reunir seus diretores duas vezes por mês para discutir assuntos estratégicos. Um dos diretores, o Lúcio, era considerado por seus colegas um verdadeiro 'mala sem alça' de tão chato. Lúcio era o 'do contra'. Quando todos concordavam com uma proposta ou opinião, era sempre ele que levantava um ponto qualquer e insistia em voltar a discuti-lo. Parecia que ele era sempre contra a maioria, não se convencia, não aceitava votações, levantava objeções e restrições, discordava, fazia perguntas impertinentes. Quando as pessoas sabiam que ele estaria na reunião o comentário geral era: 'Xiii, então a reunião vai levar o dia inteiro!'
Uma vez, o presidente me confidenciou a sua intenção de despedi-lo, pois achava que ele não trabalhava em favor da equipe. Eu lhe respondi: 'É verdade, ele não trabalha pela equipe, ele trabalha pela empresa! Pense melhor no que está dizendo. Quantas vezes vocês mudaram de opinião depois de uma intervenção dele? Quantas vezes ele contribuiu com colocações que ninguém havia pensado antes? Quantas vezes ele foi o único a discordar de um ponto quando ninguém tivera a coragem de fazê-lo? Ele não é um 'maria-vai-com-as-outras', ele tem sua opinião própria e seu único pecado é se manifestar sem hipocrisia. Justamente por este motivo é que acho que ele é a pessoa mais importante da sua empresa.' Ele refletiu um pouco sobre minhas palavras e resolveu mantê-lo. Lúcio continua nesta empresa até hoje.
Não é fácil trabalhar em time, não é fácil separar o pessoal do profissional ao discordar de um ponto de vista. O brasileiro, ao contrário dos alemães, japoneses e americanos, é muito ligado ao emocional, tem dificuldade em assumir uma opinião contrária, pois pode ser visto como uma ofensa pessoal. Da mesma forma, não é fácil colocar em risco sua imagem pessoal, sua reputação e seu emprego ao assumir a coragem de falar 'não' e iniciar uma discussão, por mais que você acredite ser necessário.
O espírito de time só acontece quando existe uma auto-confiança muito grande em primeiro lugar, e uma relação de confiança mútua bem forte, em segundo lugar, que permita às pessoas verem os conflitos como necessários para o crescimento e desenvolvimento de todos. Num time, assim como num casal ou numa família, os debates, exaltados ou não, são importantes para manter as relações sempre 'limpas', num caminho em direção ao amadurecimento contínuo e perene. Em um grupo, 2+2=4. Numa equipe, 2+2=5. Mas, num time, 2+2=1.
Marcos Hashimoto
Consultor, professor e palestrante em empreendedorismo, planos de negócios e intraempreendedorismo. Doutor em Empreendedorismo pela EAESP/ FGV.
FONTE: ADMINISTRADORES
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