domingo, 29 de abril de 2012

POST 1589: LÍDERES DEVEM ESQUECER IDEIAS DE SUN TZU

Minha Luta (Mein Kampf), livro escrito por Adolf Hitler em 1924, demorou alguns anos para se tornar aquele que seria o maior best-seller na Alemanha até o final da II Guerra. Na verdade as vendas do livro estouraram mesmo em 1933, quando Hitler ascendeu ao poder. Nesse ano um milhão de exemplares foram vendidos, o que tornou Hitler milionário.

Daí até a queda do Terceiro Reich, em 1945, mais de dez milhões de exemplares foram impressos e distribuídos. Praticamente todo lar alemão tinha um desses livros, até mesmo como forma de álibi para se proteger da Gestapo. Afinal não era todo mundo que acreditava nas arengas de Hitler sobre antissemitismo, supremacia racial e a justificativa e os planos para a guerra genocida na busca de “espaço vital” para a Alemanha Nazista.
O desfecho da Guerra colocou o sucesso editorial de Hitler na sua devida condição: um dos mais infames textos já produzidos na história.


Na década de 1970 em escavações em tumbas de antigos chefes militares na China, arqueólogos descobriram textos inscritos em tiras de bambu. Esses escritos traziam reflexões de autoria nebulosa sobre estratégia e táticas militares de mais de dois mil anos.

A repercussão da descoberta na mídia convenceu alguns editores espertos a criar um produto marqueteiro. Sem se importar com as polêmicas dos arqueólogos e historiadores, atribuíram sem hesitações a autoria dos escritos ao general Sun Tzu. Esse teria sido um sanguinário militar para o qual os fins justificavam quaisquer meios.

Esses editores souberam encontrar um prefaciador competente para embalar as primeiras edições. Trata-se de James Clavell que ajudou a generalizar as tais considerações belicistas como se fossem sabedoria e verdades que apontavam o caminho da vitória em todas as circunstâncias da vida das pessoas e não apenas em conflitos os militares. A vida era apenas uma guerra. Tudo na vida seriam batalhas de matar ou morrer, acontecessem elas em salas de diretoria, no relacionamento entre homem e mulher, na luta diária pela sobrevivência em todas as dimensões. “São todas formas de guerra, todos os combates sob as mesmas regras”, arrematava Clavell.

O projeto editorial A Arte da Guerra lançou Sun Tzu como um dos sábios da humanidade. Mas o objetivo mesmo era vender Sun Tzu como um vencedor que sabia o segredo do sucesso.

Este, sem receber um centavo de direitos autorais, se tornou um autor bem sucedido do gênero autoajuda. Entretanto as arengas militaristas de Sun Tzu foram reinterpretadas e particularmente absorvidas pelo meio corporativo como uma espécie de saber básico indiscutível para a gestão organizacional.


É lamentável que líderes nas empresas sejam formados para operar mentalmente usando Sun Tzu como inspiração.
A Arte da Guerra é, em sua essência, a bíblia do comando-e-controle. Uma fundamentação totalitária e que somente pode servir de fonte de inspiração àqueles dispostos a acreditar que os fins justificam os meios, mesmos que esses meios sejam a desumanização em seu grau mais elevado.

Na nossa transição para a Sociedade Digital Global as organizações que estão prosperando e avançando na direção da economia do conhecimento não seguem o modelo mental militar e hierárquico. Essas organizações, longe de se parecerem com exércitos, se assemelham muito mais a uma federação de comandos.

Essas organizações são como redes nas quais os nós se interligam por fluxos de informação. Seu crescimento se dá seguindo o modelo de uma rede de desenvolvimento auto-organizável. Um sistema que pode ser compreendido por um modelo mental muito mais complexo e infinitamente mais sofisticado que o tipo de organização militar burocrático idealizado por Sun Tzu. Por isso estas novas organizações são chamadas Organizações de Conhecimento.

Agora se você acha legal o Sun Tzu, se a leitura da Arte da Guerra o inspira a ser o executivo-ninja, isso é problema seu. Fique certo que você vai ter muitos problemas como líder na sua empresa para atrair e reter os talentos criativos capazes de fazer a diferença.

Não estamos mais jogando um jogo de soma zero, como nos tempos de Sun Tzu. Um jogo no qual quando alguém ganha, outro tem de perder. O novo jogo do tempo das organizações de conhecimento é o jogo da colaboração participativa. Um jogo onde a vitória acontece quando se maximizam os ganhos tanto individuais quanto coletivos.

Mais pra frente, na economia do conhecimento plena, os escritos de Sun Tzu cumprirão seu destino de tornar-se peça de museu e não ensinamentos para as gerações futuras. Serão vistos como um tipo de modelo mental perverso da história da humanidade. Tanto quanto o Mein Kampf de Adolf Hitler.




Por Ricardo Neves
É consultor de estratégia, autor de cinco livros, entre os quais se destaca a trilogia Renascença Digital – os desafios da construção da Sociedade Digital Global, que consta de Novo Mundo Digital; Tempo de Pensar Fora da Caixa e Ruptura. O propósito deste blog é apresentar provocações construtivas para ajudar a adaptar as empresas para a sociedade digital global.

FONTE: Coluna ‘Fora da Caixa’, da Época Negócios Online.
RETIRADO DO BLOG DO ALBÍRIO GONÇALVES

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