Primeiro período. É o segundo dia de aula no curso quando Anna Valéria recebe a ementa e já sabe quais disciplinas irá cursar no semestre. Duas em especial chamam sua atenção: Matemática I e Contabilidade. Como nunca teve tanto domínio de cálculo, Anna fica receosa de como serão essas aulas. Sua impressão negativa fica pior do que imaginava. As aulas se afastavam do assunto do restante do curso, além de serem bem cansativas. Resultado: o desinteresse foi grande e o aprendizado ficou a desejar.
A dificuldade no aprendizado de disciplinas exatas entre alguns estudantes universitários da área de humanas não é novidade. O problema, no entanto, não começa no ensino superior. De acordo com o professor Antonio Carlos Branco, da área de Matemática Aplicada da Fundação Getúlio Vargas (FGV), as reprovações em matérias como Cálculo se devem à ausência de alicerce em Matemática na escola. "O principal motivo das dificuldades é a total falta de base da Matemática do Ensino Médio com que esses alunos chegam ao Ensino Superior. Alunos que aprenderam bem a Matemática do ensino médio não têm, em geral, qualquer dificuldade no aprendizado do Cálculo", aponta.
Outro aspecto proeminente é a relevância dada pelo estudante. Nicolau Reinhard, professor da área de Métodos Quantitativos e Informática da Universidade de São Paulo (USP), afirma que o bom rendimento do aluno depende da importância dada às disciplinas quantitativas durante sua trajetória, em especial no Ensino Médio. "Ao reconhecer o mérito destas disciplinas, o aluno lhes dará o valor devido e terá um desempenho adequado. A motivação e habilidade dos alunos na área quantitativa também são desenvolvidas na sua formação básica, principalmente no ensino médio", explica Reinhard.
Mas e as aulas dinâmicas?
Quando se trata do curso de Administração, geralmente, as salas de aula que possuem mais reprovações são aquelas que precisam de algum tipo de cálculo. E os estudantes se defendem: para muitos deles, isso ocorre devido à não-aplicabilidade imediata dos conhecimentos quantitativos e por muitos dos professores se afastarem de assuntos relacionados ao curso. "O problema, muitas vezes, é a didática adotada. Muitos conhecem bastante a parte técnica, conceitual, mas não sabem transmitir o assunto de forma adequada", afirma a estudante Ana Beatriz.
O professor Antonio Carlos Branco destaca que a diferença no método de avaliação de exatas - que é focado em testes e provas - em relação às matérias de humanas - que tem os trabalhos como métodos avaliativos fundamentais - é um ponto que contribui para o baixo desempenho dos estudantes. Mas ele assume que muitos docentes precisam buscar novas formas de ministrar suas aulas. "As aplicações de disciplinas quantitativas no curso dependem das metodologias utilizadas no ensino e na utilização do conhecimento exato", comenta.
E essa relação da disciplina com o cotidiano do estudante deve ser desenvolvida pelos bons profissionais do ensino, segundo Nicolau Reinhard. "O bom professor sempre procurará relacionar o assunto a ser apreendido com conhecimentos anteriores do aluno, o que fará com que ele ilustre as suas aulas com exemplos de uso em outras áreas da vida profissional ou cotidiana. Já que Administração é um curso profissionalizante, o professor também demonstrará a importância e possibilidade de aplicação do instrumental nas várias áreas da Administração. Deste modo, o aluno compreenderá melhor a relevância do assunto para a sua formação e ficará mais motivado para se dedicar ao processo de aprendizagem", destaca o professor da USP.
Pré-requisito obrigatório: dedicação
O estudo de matérias exatas no curso não deve ser uma surpresa para os alunos de Administração, já que na vida profissional eles vão lidar com esse tipo de conhecimento.
A professora Perla Calil explica o caso da área de Finanças: "não é algo estranho para quem escolheu o curso de Administração. Os ingressantes devem saber que todas as decisões tomadas pela empresa - seja na área de Marketing, de Recursos Humanos, de Operações, de Logística, de Estratégia - culminam numa decisão financeira, que gerará investimentos, proporcionará retornos e que precisa ser avaliada quanto ao benefício financeiro".
Aldery Júnior, professor da Universidade de Brasília (UnB), ressalta bem essa ponte com a profissão. "A Matemática está inserida no contexto dos administradores. Os que não sabem matemática financeira não têm como administrar", enfatiza.
Para o professor de Estatística da FGV Kaizô Beltrão, os alunos devem largar essa visão inicial de inaplicabilidade das disciplinas e pensarem como elas serão positivas mais à frente. "É possível que haja mais reprovações [em disciplinas com cálculos], principalmente por uma atitude imediatista dos alunos, que não veem como aquela disciplina pode afetar a aquisição de conhecimento das que a seguem na grade curricular e na profissão".
Por isso, a performance do estudante, como acrescenta Perla Calil, vai depender do seu empenho. "O estudo de Finanças requer o desenvolvimento de exercícios, o que exige tempo de dedicação, e, muitas vezes, isso os alunos não querem".
E dedicação parece ser a chave para a solução do problema do ensino e aprendizado de matérias exatas no curso de Administração. No entanto, essa não deve ser uma ação unilateral. Ela não pode depender unicamente da postura do professor e nem apenas do esforço do estudante. Ambos devem cumprir seus papéis: o docente de ensinar o conteúdo da maneira mais clara possível e o aluno de estudar e praticar o assunto. Assim, a dedicação conjunta é transformadora, pois qualquer matéria, seja ela ou não de exatas, pode deixar de ser vista pelo futuro administrador como um obstáculo para ser uma verdadeira ferramenta que possibilita uma formação profissional mais completa.
Professores explicam a importância das disciplinas exatas nas organizações
Solução de problemas reais
As disciplinas instrumentais como Cálculo e Estatística são fundamentais para a solução dos problemas "reais" e para subsidiar tomadas de decisão. Algumas matérias podem propor modelos que precisam ser testados. Por exemplo, o impacto de uma ação de marketing pode ser modelado como uma função com um pico seguido de uma queda. Diferentes estratégias, com custo diferenciado, podem levar a diferentes impactos. A Estatística pode estimar a razão custo/benefício entre elas.
(Kaizô Beltrão – professor de Estatística da FGV)
Base do gerenciamento financeiro
A Matemática Financeira é um facilitador. Qualquer organização, pública, privada, com ou sem fins lucrativos tem que gerir seus recursos. Se existem recursos, tem que se saber administrar o financeiro e para isso é preciso Matemática Financeira, base para qualquer gerenciamento financeiro.
(Aldery Júnior - professor de Matemática Financeira da UnB)
Conhecimento para a tomada de decisões
Com a crescente globalização e integração dos negócios, aumenta a quantidade e a complexidade de informações que o administrador precisa tratar para tomar suas decisões. Torna-se cada vez mais difícil fazer escolhas apenas com base na intuição. Uma resposta a esses problemas tem sido a crescente formalização dos processos de análise e decisão, como, por exemplo, o uso de modelos matemáticos para "program trading" e "dynamic pricing". Para fazer um uso efetivo destas ferramentas, o administrador precisa ter firmeza nos conceitos de ferramentas matemáticas e estatísticas que estão na base destes modelos.
(Nicolau Reinhard – professor da área de Métodos Quantitativos e Informática da USP)
Analisar e lidar com fatores dentro da empresa
O Cálculo Diferencial e Integral é uma das ferramentas matemáticas mais poderosas e importantes para a análise do comportamento das diversas grandezas com que uma organização lida no seu dia a dia. Não é nenhum "bicho de sete cabeças"! Ao contrário, é uma arma poderosa para lidar com eles e transformá-los em "bichos normais".
(Antonio Carlos Branco – professor da área de Matemática Aplicada da FGV )
FONTE: ADMINISTRADORES
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