Os dois recentes best-sellers de Daniel Pink apresentam uma sequência de ideias bastante lógicas e atuais. Em O Cérebro do Futuro (Ed. Campus, 2007) o autor explica como ambientes corporativos em constante evolução exigem, num ritmo cada vez mais acelerado, profissionais com constante capacidade de adaptação – especialmente para tarefas criativas, que exigem mais do lado direito do cérebro.
Já em Motivação 3.0 (Ed. Campus, 2010) Pink dá interessantes conselhos sobre como inspirar as pessoas dentro das empresas, de forma que possam desenvolver seus potenciais e fazer frente aos desafios de mercados altamente competitivos.
Com estas credenciais, Daniel Pink foi destaque no recente Fórum de Inovação e Crescimento realizado pela HSM. Exatamente por isso, agendar uma entrevista com o requisitado autor e palestrante ofereceu algumas dificuldades.
Contatos com agentes e assessoria de imprensa não foram muito animadores. Mesmo uma resposta pessoal por e-mail não garantiu espaço em sua agenda durante a que seria sua primeira visita ao Brasil. Confesso que já havia desistido da conversa quando, durante uma pausa para o café no primeiro dia do evento, encontrei Daniel Pink perambulando incógnito entre os estandes do Teatro Alfa.
A inusitada abordagem resultou numa breve conversa no dia seguinte, que a fala acelerada de Pink e seu afiado raciocínio transformaram na entrevista a seguir:
RODOLFO: As escolas de hoje não estão preparadas para formar alunos aptos a lidar com a Era do Lado Direito do Cérebro. Como a sociedade poderá enfrentar este desafio e como as empresas podem ajudar?
PINK: Creio que o desafio de fazer esta transição é maior nas escolas do que nas empresas. Posso falar do exemplo dos EUA, onde as escolas estão uma ou duas décadas atrasadas neste assunto. Lá a política educacional é mais voltada para as rotinas, as respostas corretas, as relações padrão, exatamente em um momento em que a economia não está mais focada em rotinas, respostas corretas nem relações padrão.
Então, em muitos aspectos, nossas escolas parecem estar indo na direção contrária o que é, de certa forma, assustador. Algumas escolas estão fazendo coisas interessantes, preparando crianças para o futuro delas, em vez de para o meu passado.
As empresas têm um papel importante nisso, ao mostrar para as escolas secundárias que tipos de habilidades sociais são necessárias.
RODOLFO: Empresas e escolas precisam interagir mais, então?
PINK: Sim, ambas precisam deixar de funcionar como silos. Hoje há menos diferenças entre educação, escola e trabalho do que havia no passado. Vejo a escola em que meus filhos estudam. Eles trabalham em projetos, usam tecnologia. Isso é o que eu faço, certo? Se você olhar para os ambientes de trabalho, as pessoas buscam aprender coisas novas, tentam melhorar em algo. Este conceito de que escola é onde você aprende e trabalho é onde você trabalha está um pouco ultrapassado. Então, quanto mais escolas e empresas se comunicarem, mais poderão melhorar.
RODOLFO: Sim, se elas não estão conseguindo entregar o que precisávamos antes, que dirá do que precisaremos no futuro? Não há inovação disruptiva, usando o termo de Clayton Christensen.
PINK: Exato! E a educação é o setor menos disruptivo da sociedade.
RODOLFO: Seus pais disseram-lhe para ser advogado (Pink formou-se em Direito) ou contador e, em seguida, estas profissões foram terceirizadas para outros países – algo que eles não poderiam prever. Hoje você diz para seus filhos serem artistas. Não existe o risco de estas carreiras também serem substituídas, de alguma forma que não podemos prever hoje?
PINK: Certamente que sim. Por isso não digo para meus filhos serem artistas... (Ops!)
RODOLFO: Nem advogados...
PINK: De jeito nenhum! O que digo para meus filhos é para seguirem seu coração. Sua cabeça deve pensar estrategicamente, ou seja, pensar no que será valioso no futuro. O que será difícil de fazer de forma barata? O que será difícil de ser feito por uma máquina? O que resolve os problemas que você tem hoje?
Isto é uma parte. A outra é fazer algo que você realmente gosta. Algo que lhe traga prazer e significado e trabalhar duro nisto. Vamos tomar o contador como exemplo. Se um dos meus filhos me disser: “Eu quero ser contador”, eu não responderia “Não, não, não...”. Eu perguntaria: “Por que quer ser um contador?”. Se ele me responder: “Eu gosto de ajudar as pessoas a resolver complicados assuntos financeiros. Vejo beleza em fazer os dois lados de um balanço coincidirem”, eu lhe diria: “Você será um grande contador!”.
Seria difícil terceirizar este garoto. Seria difícil dar o seu trabalho para uma máquina fazer. Então, as pessoas que fazem algo de que realmente gostam, algo em que realmente acreditam – e se esforçam bastante – vão se dar bem. Assim, o que eu insisto, é que se descubra em que você é bom, o que gosta de fazer e trabalhe muito, muito duro. E seja ágil e capaz de aprender.
RODOLFO: Já que estamos falando em filhos, como você motiva os seus em casa?
PINK: Acho que a coisa mais importante que os pais – e qualquer pessoa – precisam entender é que motivação não é algo que uma pessoa faz pela outra. É algo que a pessoa faz por si mesma. Desta forma, você precisa encorajá-la a perseguir aquilo que lhe interessa. Deve, na medida do possível, oferecer oportunidades para tentar, para explorar coisas novas. E, ao mesmo tempo, precisa enfatizar alguns valores, como o trabalho duro, a persistência e tratar bem as pessoas.
E, mais importante do que o que você diz a elas, é o que você efetivamente faz. Você precisa demonstrar o que diz na sua própria vida: fazer algo de que realmente goste, trabalhar duro, ser persistente e tratar bem os outros. Creio que esta é a coisa mais importante.
RODOLFO: Você fala sobre os riscos da terceirização de tarefas para países emergentes, provavelmente motivadas pelos ganhos no curto prazo, alertando para o perigo que isso pode representar no futuro. Isto seria o resultado inesperado de um incentivo mal desenhado ou é falta de criatividade no planejamento?
PINK: É um pouco de cada, mas a primeira alternativa pesa mais. Acredito que haja um mal entendido na forma como entendemos a motivação. Se eu quiser de você um comportamento específico, dou uma recompensa quando você acertar e uma punição quando errar. Só que há cinquenta anos a Ciência diz que isso vale para algumas coisas, mas não para todas!
Mais do que um mal entendido, é uma lacuna entre o que as empresas praticam e o que a Ciência recomenda. A informação não fez o caminho entre a Ciência e as empresas.
RODOLFO: Você exemplifica isso em “Motivação 3.0” com o experimento da vela, de Karl Dunker* (que mostra que, em determinadas tarefas, um incentivo financeiro piora a performance). Por que ainda ocorre este desencontro entre o que a Ciência sugere e o que as empresas praticam?
PINK: Em primeiro lugar porque este tipo de incentivo (recompensas materiais) funciona para tarefas simples, que eram feitas no século XIX e até no século XX. Simples inércia. Em segundo lugar porque eles são eficientes no curto prazo.
Digamos que você seja um Gerente de Vendas, precise atingir suas metas em quinze dias e esteja preocupado em não conseguir. Ofereça um bônus enorme e sua equipe atinge a meta. Garantido. Você poderá queimar seus melhores clientes, poderá fazer com que seus vendedores trapaceiem, mas funcionará no curto prazo.
Por um lado pode desencaminhar as pessoas, mas por outro é muito fácil. Você dá uma grana e pede que as pessoas façam as coisas. É muito mais difícil perguntar: “Ei, como você é como pessoa? Como posso colocá-lo na função correta? Como posso dar-lhe feedback para você melhorar? Como posso inspirá-lo? Como posso dar significado ao que você faz? Como posso dar-lhe mais autonomia? Como posso transformá-lo em parte da equipe?”. Isso é difícil!
RODOLFO: Parece que temos um padrão aqui: não há criatividade para inspirar e não há motivação para impulsionar a criatividade. Como fugimos desta armadilha?
PINK: Hum, ótimo! Não é algo que vá acontecer e mudar tudo de repente. Será uma pessoa, uma companhia por vez para fazer as coisas melhorarem. Uma empresa fará algo bom e servirá de modelo para as outras, que dirão: “Ei, podemos fazer isso também!”. Um político dirá: “Vamos fazer algo bom” e outros seguirão.
RODOLFO: Isso talvez não possa ocorrer nos níveis de consumo e lucros que temos hoje. Alguém terá que dar um passo atrás para que os outros percebam que é a maneira correta de fazer as coisas.
PINK: Exato. É assim que as mudanças sempre ocorrem. Alguém tem que fazer algo fora do tradicional, assumir os riscos, romper com o passado, quebrar os padrões. As pessoas dirão que você está louco. Você não pode se importar com isso e deve perseverar na busca pela mudança.
Mestre em Administração pela
PUC-RJ; Pós Graduado em TI pela FGV-RJ; Bacharel em Comunicação Social pela
UFRJ.
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