Acompanho intrigado mais um nada educado debate via Facebook. (Aliás, debates educados são raros em tempos de Internet.) Em sua Fan Page, o Administradores postou uma inspiradora frase de Henry Ford: "Se existe um único segredo do sucesso, ele está na capacidade de ver as coisas do ponto de vista de outra pessoa."
Eis que, não mais do que de repente, logo no segundo comentário, uma internauta posta a seguinte acusação: "NAZISTA", assim mesmo, em letras maiúsculas, numa única palavra. Após protestos, a comentarista justifica-se dizendo que estudou em Stanford e conhecia a Administração muito bem, além de ser bem versada em História, segundo alega.
Em seguida, ela acrescenta uma lista de outros célebres simpatizantes do Nazismo, como o compositor Wagner e o filósofo Heidegger. Outros desvios são lembrados, como a vida adúltera de Picasso e a insanidade de Nietzsche.
Aí chegamos ao cerne da questão: será que nós, reles mortais sem nenhum grande feito na bagagem - nem ao menos um pequeno - podemos atirar a primeira pedra e exigir a santidade daqueles que fizeram tanto pela humanidade?
E, por outro lado, será que os grandes legados destas figuras históricas são capazes de apagar seus (mais humanos) desvios?
Certamente que esta pequena lista não é exaustiva e, sem sombra de dúvida, vários grandes feitos da História ainda estão assinados por nazistas, alcoólatras, viciados, pedófilos, ladrões, assassinos, psicopatas e tantos outros degenerados.
Face a esta polêmica, a contribuição de Henry Ford ao mundo tal qual conhecemos hoje é inegável - e confesso que não conhecia este seu lado. Assim como a de Wagner, Nietzsche e Picasso.
Ainda assim, mesmo correndo o risco de ser mal interpretado, considero haver uma grande distância entre ser simpatizante do nazismo e enviar judeus a campos de concentração. Entre não gostar de protestantes e assá-los numa fogueira. Entre não gostar de negros e pendurá-los numa árvore pelo pescoço, vestindo um capuz branco e pontudo.
Estes exemplos acima envolvem crimes, individuais ou coletivos, aos quais nós, queiramos ou não, aceitemos ou não, estamos todos sujeitos a praticar. Pouco depois do julgamento de Adolf Eichmann, o arquiteto do Holocausto, Stanley Milgram comprovou, experimentalmente, que pessoas normais são capazes de atos hediondos dependendo das circunstâncias. Uma década depois, Philip Zimbardo viu seu experimento fugir do controle, quando seus voluntários tornaram-se sádicos guardas numa prisão de mentirinha, torturando seus próprios colegas de faculdade.
Sem dúvida que crimes devem ser punidos, com rigor proporcional à ofensa. Este é um dos pilares da vida em sociedade - qualquer que seja ela (a sociedade, não a ofensa). Mas simpatizar com algo ou ter alguma opinião ainda é um direito, mesmo que isto contrarie indivíduos ou grupos.
Se Henry Ford era nazista, puxa, isso sem dúvida é uma mancha em sua biografia. Até entenderia se os judeus boicotassem seus carros - o que nunca ouvi falar, por sinal. Mas não creio que isso apague a gigantesca revolução que suas ideias e feitos proporcionaram. Até porque, ele foi o precursor da industrialização americana, que deu impulso à formação da grande máquina de guerra aliada.
Por fim, gostaria de deixar algumas perguntas para reflexão:
- Você deixaria de vacinar seus filhos contra a pólio, se descobrisse que Albert Sabin era Nazista? Provavelmente não, porque isso não é verdade. Mas é verdade que ele testou suas vacinas em crianças de países pobres, deixando muitas delas com sequelas pelo resto da vida.
- Você deixaria tomar aspirinas, se soubesse que a Bayer colaborou com os Nazistas na Guerra? (Isso também não é verdade.)
- Você parou de andar de carro, depois que petroleiros jogaram óleo no mar, matando milhares de aves indefesas?
Se você acha que essas perguntas são difíceis de responder - assim como é difícil formar uma opinião sobre Henry Ford -, talvez eu deixe sua vida ainda mais complicada, escrevendo sobre o Problema do Bonde (the Trolley Problem) num texto futuro. Boa noite e boa sorte!
Mestre em Administração pela
PUC-RJ; Pós Graduado em TI pela FGV-RJ; Bacharel em Comunicação Social pela UFRJ.
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