Por George Stalk e Henry Foley*
Há quase 75 anos, um carismático empresário brasileiro de nome Enrique Rosset fundou, em São Paulo, uma empresa homônima de têxteis e confecção. Cerca de 40 anos depois, Rosset e o filho mais velho resolveram diversificar, comprando a fabricante de lingerie Valisère, na época em dificuldades.
Ao longo de décadas, Rosset e os quatro filhos transformaram o grupo num dos maiores fabricantes de têxteis e vestuário da América do Sul. Na década de 1990, o Grupo Rosset entrou no mercado de moda praia, com grande sucesso. Mas a família sabia que a empresa enfrentava desafios estratégicos críticos. O surgimento de shoppings centers vinha enfraquecendo o pequeno comércio que, até ali, fora o principal canal de distribuição da Rosset. Artigos importados da China começavam a impor uma séria concorrência.
A chegada da estamparia digital abalaria o principal forte da Rosset na manufatura — a menos que a empresa adotasse ela mesma a tecnologia. Os filhos de Enrique Rosset, que vinham tocando a empresa havia 20 anos, tiveram de tomar uma decisão crucial: qual dos cinco membros da terceira geração assumiria a liderança?
Nos Estados Unidos, um ditado comum — “shirtsleeves to shirtsleeves in three generations” (De manga de camisas a manga de camisas em três gerações) — descreve a propensão de empresas de controle familiar a afundar quando os netos do fundador por fim chegam ao comando. Há variações dessa máxima em outras línguas também — e o dito é sustentado por dados.
Cerca de 70% das empresas de família fecham ou são vendidas antes que a segunda geração tenha a chance de assumir as rédeas. Apenas 10% segue operando, e nas mãos da família, para a terceira geração tocar. Em comparação com empresas de capital aberto, nas quais o mandato médio do presidente é de seis anos, muitas empresas familiares mantêm o mesmo cabeça por 20, 25 anos — e esse longo mandato pode agravar a dificuldade de lidar com mudanças na tecnologia, em modelos de negócios e em hábitos de consumo.
Hoje, a empresa familiar em mercados em desenvolvimento enfrenta novas ameaças decorrentes da globalização. Sob muitos aspectos, tocar uma empresa de família nunca foi tão difícil.
A alta taxa de insucesso de empresas familiares pode parecer inevitável. Mas não é. Em nossa atividade de assessoria a esse tipo de empresa, vemos que caem repetidamente nas mesmas ciladas. Reconhecer essas armadilhas e aprender a evitá-las pode aumentar as chances de sobrevivência a longo prazo.
“Sempre vai haver um lugar para você aqui”
Às vezes, o dono de uma empresa de família faz os filhos se sentirem obrigados a ir trabalhar ali — tiro que pode sair pela culatra, criando uma cultura de gestores sem interesse nenhum em estar na empresa. É mais comum, no entanto, ver o pai frisando que a prole pode trabalhar na empresa se assim quiser. Se a empresa for de sucesso, é provável que esses filhos tenham sido criados em meio à riqueza, o que amplia suas opções na vida adulta. Em geral, essa situação se traduz na promessa tácita de que “sempre vai haver um lugar para você aqui”, o que pode levar um filho a tratar o negócio como uma alternativa de último recurso.
Vimos muitas empresas povoadas de membros da nova geração que não tiveram sucesso em outros negócios ou passaram a terceira década da vida (às vezes, até a quarta) como aspirantes a atleta, artista ou músico antes de chegar, despreparados e já na casa dos 40, à empresa. Apesar da falta de experiência, esse herdeiro pode chegar a postos de liderança por ser da família, aumentando as chances de que o negócio afunde.
Para evitar a cilada, garanta formação e triagem adequadas. É natural que uma empresa familiar acolha membros da nova geração do clã, e é saudável expô-los à empresa desde cedo, para que possam decidir com embasamento se querem ou não fazer carreira ali dentro. Mas um posto na empresa não deve ser um direito herdado. Quem deseja ir trabalhar ali não merece tratamento especial. Vemos agora uma nova melhor prática, pela qual a família formalmente exige de qualquer herdeiro que queira um emprego (a) diploma universitário e, em certos casos, pós-graduação, (b) vários anos de experiência profissional relevante fora do negócio da família e (c) disputa por uma vaga com candidatos que não pertençam à família.
Em uma empresa europeia que conhecemos, para se candidatarem a uma vaga, membros da família devem ter no mínimo 26 anos de idade, uma pós em administração ou engenharia, falar três idiomas e ter sido promovidos duas vezes no intervalo de cinco anos, numa empresa que não seja da família. Além disso, têm uma única oportunidade de acesso: se forem rejeitados, devem partir para outra.
Até companhias que já empregam muita gente da família podem se beneficiar com uma avaliação rigorosa de desempenho e potencial. Na Gerdau S.A., os quatro irmãos da quarta geração da família Johannpeter vinham tocando muito bem o negócio por mais de 20 anos quando começaram a pensar na sucessão, em meados da década de 1990 — bem antes que planejassem passar o bastão.
Contrataram uma firma de recrutamento para avaliar os 60 principais executivos da casa, incluindo cinco integrantes da geração seguinte da família, para a inclusão num comitê executivo recém-criado. Usaram essa avaliação objetiva para incentivar certos membros do clã a seguir carreira fora do grupo. Esse pessoal saiu de forma elegante e se deu bem em outras ocupações.
Quatro anos depois, a família trabalhou com outra turma de consultores externos para identificar cinco candidatos a presidente. Entre os recomendados havia dois primos da quinta geração com ampla experiência no negócio. A empresa despachou os dois para formação executiva avançada em importantes escolas de negócios nos Estados Unidos e, depois, colocou cada um no comando de unidades de negócios cruciais por vários anos. No final de 2006, o integrante da família com o melhor desempenho foi nomeado presidente; o primo virou diretor de operações. Hoje, quatro dos cinco candidatos à presidência seguem na Gerdau, e o faturamento da empresa subiu de US$ 13 bilhões em 2006 para US$ 20 bilhões em 2010.
SEGUNDA CILADA
Empresa não cresce rápido o bastante para acomodar todos
Um problema subestimado é que a família costuma crescer mais depressa do que a empresa. Se o fundador tem três filhos, e cada um se casa e tem três filhos, que por sua vez também se casam, dentro de três gerações pode haver 25 pessoas ou mais (incluindo todos os cônjuges) trabalhando ou buscando emprego na companhia. Muitas empresas simplesmente não têm trabalho suficiente para empregar todo membro da família.
Para evitar a cilada, controle o acesso da família e promova o crescimento. Uma família que conseguiu evitar a primeira cilada, garantindo que apenas gente da família comprometida e qualificada possa ir trabalhar na empresa, já reduziu a magnitude dessa segunda cilada. Outra solução é traçar estratégias para fazer o negócio crescer e criar responsabilidades para mais profissionais da família.
A Mitchells, uma loja nobre de roupas no estado americano de Connecticut, usou essa abordagem. Jack e Bill Mitchell herdaram a loja do pai, Ed, que a fundara em 1958. Uma década atrás, quando começaram a pensar em passar o bastão aos sete herdeiros (todos munidos de diploma universitário e experiência relevante antes de entrar para a empresa), Jack e Bill perceberam que a empresa teria de crescer para garantir postos de alto nível para todos.
O forte da Mitchells era um sistema de CRM que ajuda vendedores a estabelecer um elo com clientes e sugerir produtos adequados para eles. Em 1995 a Mitchells comprou uma combalida confecção masculina na localidade vizinha de Greenwich e usou o sistema de CRM para reerguer a loja. Desde então, adquiriu varejistas em Long Island e no norte da Califórnia e enviou membros da nova geração para tocar as lojas em cada lugar desses. A estratégia não só trouxe receita suficiente para sustentar os vários funcionários da família, mas também deu a todos uma operação própria para chefiar.
TERCEIRA CILADA
Membros da família permanecem em silos segundo linhagem
Um dos fatos mais impressionantes observados em empresas de família é a tendência de pais e filhos (e, cada vez mais, filhas) a se especializar no mesmo aspecto do negócio, seja ele finanças, operações ou marketing. Pode ser um problema, por várias razões. Primeiro, ao permanecer em silos especializados, gestores da nova geração não adquirem o conhecimento transfuncional necessário para a liderança executiva. Segundo, quando membros próximos da família supervisionam uns os outros, a dinâmica pessoal pode impedir um feedback sincero e interferir no coaching. Juntos, esses fatores podem criar um vazio de liderança na geração em ascensão — o que pode levar a geração corrente a permanecer no comando tempo demais, limitando a capacidade da empresa de se adaptar a mudanças.
Para evitar a cilada, nomeie mentores de fora da família. Se a empresa é pequena, pode ser inviável proibir que um membro da família supervisione outros. Mas, mesmo aqui, a empresa deve minimizar o tempo que um funcionário permanece subordinado a parentes imediatos. Certas empresas destacam um mentor experiente de fora da família para cada integrante mais novo do clã, para que este receba uma avaliação de desempenho objetiva e conselhos críticos que o trabalhador de uma empresa não familiar em geral recebe. Para que isso dê certo, o coach deve operar sob alguma espécie de proteção que o resguarde de retaliações da família.
É irreal achar que dá para criar uma empresa de família livre de nepotismo — e é importante reconhecer que a empresa familiar sempre vai operar com normas distintas. Até empresas de controle familiar grandes, negociadas em bolsa, administram dividendos de forma distinta de empresas não familiares. Também é bom reconhecer que o controle familiar pode ser um salutar contrapeso a incentivos de curto prazo oferecidos à maioria dos executivos. Para sobreviver a longo prazo, no entanto, a empresa familiar precisa adotar políticas formais sobre quem contratar, quem promover e como equilibrar os interesses da família e da atividade empresarial. Se mais empresas tomarem essas medidas e sobreviverem à complicada transição de uma geração para outra, todos sairão ganhando.
(*) O primeiro, é alto consultor do Boston Consulting Group; e o segundo, sócio sênior da consultoria Cambridge Advisors to Family Enterprise.
Fonte: Harvard Business Review - Edição Janeiro/2012.
Fonte: Harvard Business Review - Edição Janeiro/2012.
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FONTE: BLOG DO ALBÍRIO GONÇALVES
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