Desde a mais tenra idade, meus avós e pais pregavam insistentemente a filosofia do mottainai em casa. Traduzida para o português, ela equivale a desperdício. Não ao simples desperdício de comida, roupa ou energia, mas também ao desperdício de tempo, dinheiro, emoção, sonhos e talento.
Mottainai é uma antiga palavra de origem budista, para designar o respeito pela essência sagrada das pessoas e coisas.
Assim, não se podia deixar nenhum grão de arroz no prato. Era mottainai, pois o arroz, até chegar a seu prato, teria passado pelo processo de semear, de ser cuidado, de ansiedade do agricultor quanto ao clima, da colheita, do secar e beneficiar, do ensacar, do chegar até ao comerciante. E depois, em casa, ser escolhido, lavado e cozido.
No pós-guerra, quando o arroz rareou no cardápio, as emissoras de rádio do Japão alertavam as donas de casa: “Senhoras, não desperdicem nem um grão de arroz: nem ao lavá-lo, nem ao limpar a panela. Se somos 10 milhões de pessoas, e cada uma de vocês deixar um grão no fundo da panela, serão 10 milhões de grãos que poderiam matar a fome de muito mais gente.”
As salas de aulas no Japão, até hoje, são mantidas limpas pelos próprios alunos, que se revezam em turnos de limpeza. Em cada carteira escolar, uma sacola para lixo comum e outra para reciclável, que serão devidamente recolhidas pelos responsáveis. Não há demérito nessa tarefa. É a formação da responsabilidade pelo bem público. Mottainai para não desperdiçar o que você paga em impostos.
Houvesse essa consciência, garanto que eu não teria oportunidade de observar um exemplo de mottainai aqui mesmo em Curitiba: a abertura de uma valeta na calçada, por três vezes seguidas, no mesmo lugar: a primeira, pela Sanepar; a segunda, pela Telepar e a última, não sei. Desperdício de material, tempo, dinheiro (do contribuinte) e pessoal (talento). Além da irritação causada ao comércio e a quem passa pela beirinha da calçada com medo de ser atropelado. Porque não programar uma operação integrada?
Mottainai também senti na minha própria pele, quando perdi a oportunidade de ser selecionada para o time de atletismo que iria disputar os Jogos Colegiais do Estado de São Paulo. O trem que me levaria a Botucatu se atrasou. Minha mãe, ao saber da frustrante aventura, disse compassiva: Mottainai (Que pena!) Eu sei o quanto você estava preparada.
E, para arrematar, uma pergunta: Como são suas reuniões para tomada de decisões? Todo mundo já vem pautado para trazer as sugestões? Ou vai ser a conhecida “formar uma comissão para tratar de assuntos a serem debatidos na próxima reunião?” Mottainai mais uma vez, pois há tempo e talento envolvidos e desperdiçados.
Ah, não se esquecer também daqueles que não tem “se mancol” e ficam por horas e horas falando blá,blá,blá, tomando o precioso tempo da gente, seja via celular, virtual ou presencial. Não duvide, isso também é mottainai.
Respeito ao Homem, à Natureza e à Alma
Como se vê, a filosofia do mottainai, milenar no Japão, que os ambientalistas do século 21 querem reduzir aos 3Rs – Reduza, Reuse, Recicle – vai muito além do desperdício das coisas materiais.Envolve sentimentos: esforços desperdiçados levam à raiva, sofrimento, ressentimento quando a pessoa que sofreu a perda é incapaz de controlar as emoções.
Resumindo, a filosofia do Mottainai, que tanto me entusiasma e seduz, inclui mais um R: respeito ao Homem, à Natureza e à Alma.
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FONTE: COLETIVO VERDE
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