No começo da semana passada o ECAD, Escritório Central de
Arrecadação e Distribuição, enviou mensagens a alguns blogueiros brasileiros
avisando que eles deveriam pagar uma taxa de direitos autorais pela publicação
de vídeos no YouTube nos seus blogs ou sites. Parece ser uma
ideia meio absurda mas a que vem a seguir é um pouco pior: de acordo com a lei
de direito autoral no Brasil, o escritório está certo.
Dando nomes aos bois, o ECAD enviou uma mensagem a Uno de Oliveira, dono do
blog Caligraffiti, que não tem
fins lucrativos. A mensagem dizia que, por ele ter incorporado um vídeo de clipe
de música do YouTube em um post, deveria pagar pelo direito autoral envolvendo
esse vídeo. A taxa seria de R$ 352,59 por mês, já que o blog
teria se encaixado na categoria de webcasting. E mesmo que o YouTube já tenha
pago os direitos autorais devido ao escritório, o blogueiro deveria desembolsar
uma taxa também por se tratar de uma retransmissão. Ou ao menos é o que
argumenta o ECAD.
O embasamento legal do ECAD para a cobrança está na Lei Federal
9.610/98. Uma lei criada em meados de fevereiro de 1998 e que não foi
revista desde então, mais de 14 anos de sua criação. Só isso já dá uma ideia de
quão inadequada ela é para a realidade atual, em que a internet e o
compartilhamento de arquivos já mudaram tanto do nosso jeito como consumimos
conteúdo. Mas é ela que o escritório está usando para justificar o valor
cobrado.
YouTube paga, mas não é tanto quanto você imagina.
Uma questão envolvendo a cobrança do ECAD é o fato de que o YouTube já
pagaria os direitos autorais para vídeos enviados ao site. A cobrança a
blogueiros que incorporaram tais vídeos nos seus blogs ou sites seria, então,
uma dupla cobrança pelo mesmo vídeo. Mas essa nova cobrança se encaixa na
categoria de retransmissão, também prevista por lei e que também pode ter seu
direito autoral arrecadado.
Ainda assim, o valor pago pelo YouTube para o escritório não é exatamente uma
fortuna. Uma entrevista com o cantor Leoni, de novembro do ano
passado, revelou o quanto o site de vídeos paga ao ECAD: R$ 1,00 a
cada 150 mil visualizações, um valor irrisório dado os estimados 1,3
bilhão de dólares que o site faturou em 2011. Esse acordo, segundo o próprio
ECAD, foi responsável por trazer cerca de R$ 252 mil em
direitos autorais para o escritório em setembro de 2011 e referente ao período
de julho de 2010 a julho de 2011.
E não é como se o acordo tivesse sido criado da noite para o dia. Em uma
entrevista de abril de 2011 ao caderno Link do
Estadão, o gerente de arrecadação do ECAD, Mario Sergio Campos, disse que
“foi um trabalho de meses” até chegarem a um percentual aceitável de ambas as
partes. E ainda assim, o valor recebido do YouTube pode ser considerado ínfimo
perto do resto do faturamento do escritório, que foi em torno de R$ 458 milhões
de reais no ano de 2010.
Não estou justificando que o ECAD deva cobrar valores tão altos de blogueiros
por retransmitirem vídeos do YouTube. Estou questionando a aparente noção de que
o escritório inverteu os papéis. Afinal de contas, por que uma entidade enorme
como o YouTube (que tem como empresa-mãe o Google) paga tão pouco enquanto que
os indivíduos abordados pelo ECAD devem pagar tanto? Não parece haver lógica
para os valores estabelecidos e essa é a principal crítica direcionada ao ECAD.
(Vale lembrar que quando procurados, o YouTube e o Google Brasil não
retornaram nosso pedido de mais informações acerca do acordo que tem com o
ECAD).
Cobrança está dentro da lei, mas a lei é antiga
O problema maior aqui é então a lei citada pelo órgão para justificar a
cobrança. Se você está no Brasil e publicou um vídeo de música do YouTube no seu
site ou blog, deve pagar os devidos direitos autorais mesmo que não tenha fins
lucrativos. Essa cobrança é ilegal? Não. O valor é um pouco absurdo?
Definitivamente. Mas, ao menos do que vi em redes sociais e li sobre o assunto
até agora, não há um esforço em mudar o principal culpado por isso: a lei.
Quando questionei o ECAD sobre os usuários que se recusarem a pagar, o
escritório afirmou que não pretende entrar com uma ação legal contra eles, mas
não justificou o motivo. Eu deduzo que, caso isso aconteça, o órgão deverá
provar que o indivíduo dono do blog ou site é alguém que está no Brasil e isso
implica ir atrás dos servidores internacionais de onde o blog ou site está
hospedado.
O problema, no entanto, não está no ECAD ou no YouTube ou nos blogueiros
postarem clipes de música. Está na lei. A arcaica lei autoral brasileira que foi
estabelecida em meados de 1998 e nunca foi adaptada como deveria para a nova
realidade que a internet trouxe. Assim como várias outras leis que envolvem
crimes virtuais e outros campos ligados à internet. É uma reforma dela que é
necessária.
A minha noção do caso é a de que o ECAD parece ter percebido que existe uma
pendente ameaça de mudança dessa lei e, por isso, passou a monitorar com mais
afinco os sites e blogs brasileiros que potencialmente podem ser cobrados, para
conseguir angariar a maior quantidade de fundos antes que uma nova lei de
direitos autorais seja estabelecida.
A assessoria do escritório nega que o aumento desse monitoramento aconteceu
nos últimos dias. Mas é um pouco tarde para isso agora.
FONTE: JORNAL DO EMPREENDEDOR
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