Os manuais de negociação, de um modo geral apresentam quatro perfis de negociação: ganha-ganha, ganha-perde, perde-ganha e perde-perde. A pergunta que não quer calar é: no mundo atual, competitivo, onde as nações, as instituições, os empresários, e os indivíduos estão envolvidos na busca de resultados, há espaço para um pensamento do tipo ganha-ganha?
A preocupação com a otimização dos recursos, com a minimização dos custos e com a maximização de resultados tem espaço para este compartilhamento tão generoso propostos pelos estudos clássicos do tema?
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Deve haver sim, um foco na obtenção de resultados, sem que isso represente perda ou derrota do interlocutor (não estamos utilizando o termo adversário ou oponente), mas sim uma direção mais específica e definitiva em relação à meta estabelecida para cada um dos participantes do evento negocial.
A pré-preparação negocial
A fase que antecede a preparação ou planejamento negocial identifica quatro etapas, necessárias para que se entendam os caminhos (meandros) que permitem a consecução dos objetivos no processo:
• Moeda negocial: razão que leva as partes a empreenderem um processo de busca de resultados via negociação: por que negociar; qual a razão; qual o motivo de optar-se por uma negociação para obtenção de um determinado resultado.
• Objetivo: qual o foco da negociação: o que se pretende alcançar; qual a necessidade ou problema a ser solucionado com o uso de um processo negocial.
• Prioridade (ou escopo negocial): de que forma este objetivo deverá ser alcançado; em que condições este objetivo ou problema deve ser alcançado ou solucionado. Estas condições devem envolver: prazo, custo, dimensões, especificidades que a diferenciem de qualquer outra solução.
• Real interesse: qual o detalhe que o negociador considera não barganhável no processo negocial; que detalhes da negociação (demandas ou necessidades) o negociador considera que não deva flexibilizar durante o processo negocial.
Ao estabelecer, de forma clara o que pretende com a clarificação destes componentes, o negociador concentra subsídios para que seu planejamento negocial fique consistente.
Para que esta pré-preparação se torne objetiva o negociador deve desenvolver, na etapa seguinte, as fases do planejamento negocial, a partir do que estará devidamente instrumentalizado para confrontar suas necessidades com as necessidades de seus interlocutores (continuamos a insistir na não utilização dos termos adversários ou oponentes).
Planejamento ou preparação negocial
Com base no modelo de Negociação por Princípios existem passos que norteiam a fase de preparação (ou planejamento) negocial:
1. Pessoas
• Estilos, comportamentos e práticas: quem são as pessoas com as quais vamos nos confrontar; qual seu perfil, seu estilo predominante, qual a linha atitudinal e comportamental que essas pessoas praticam durante a negociação; qual seu histórico em negociações anteriores; quais os episódios que marcaram sua atuação como negociador; que informações outros negociadores que tiveram oportunidade de confrontar essas pessoas dispõem para compartilhar conosco.
2. Partes
• Inter-relações, implicações, contexto: qual a marca predominante desses negociadores, durante os processos do qual fazem parte; como agem nas fases preparatórias, com explicitam suas estratégias e táticas (com base em negociações anteriores).
3. Propósito
Propósitos, finalidade: Nesta fase da preparação, o negociador deverá concentrar-se após responder a estas quatro questões (moeda, objetivo, prioridade e real interesse) em sua linha de interesses (sempre com o foco nos interesses negociais, e não nas posições negociais; identificar qual o perfil destas mesmas questões em relação aos seus interlocutores. Destes quatro fatores: moeda, objetivo e prioridade poderão ser mais facilmente identificáveis; mesmo que o objetivo final a ser atingido não contemple 100% das informações necessárias haverá condições de obter um significativo acervo de pontos que facilitem a negociaçã. Já com relação ao real interesse, acreditamos ser pouco provável, na medida em que os negociadores tendem a não “abrir” a informação (em casos especialíssimos, onde o grau de confiança mútua entre negociadores supera a média, isto pode ocorrer, mas é raro).
4. Poder
• Fontes de poder: a identificação das fontes de poder que regem a negociação:
- Recompensa (trocas, concessões e barganhas)
- Coerção (pressão para obtenção de vantagens e resultados)
- Legitimidade (fundamentação em leis, regras, contratos, e instrumentos disciplinadores)
- Informação (base de dados selecionada), conhecimento (tratamento adequado das informações e seu uso em prol do resultado negocial)
- Persuasão (poder pessoal, de argumentação, de convencimento e de influência sobre os outros negociadores) determina o “cacife” do negociador.
5. Posicionamento estratégico
• Abordagem do conflito: o modelo de negociação prevê a negociação branda, onde os interlocutores tem uma relação interpessoal marcada pela confiança mútua; não há agressividade em relação aos negociadores nem em relação aos problemas; prevê-se também a negociação hostil, onde não há confiança e sim desconfiança recíproca, e os problemas e as pessoas recebem tratamento agressivo.
No cenário competitivo e contemporâneo das negociações o modelo adequado é o da negociação por princípios: negociadores são solucionadores de problemas, são abandonados o pré-conceito (onde posições são fixadas em relação a pessoas ou situações sem que haja um fundamento lógico), ou o preconceito (onde as posições são fruto de uma visão crítica desfavorável, com base em pensamentos e fundamentos consolidados previamente).
Na negociação por princípios prevalece a abordagem assertiva (franca, objetiva e sincera) em relação aos problemas e a abordagem objetiva em relação aos problemas (solucioná-los e não considerá-los insuperáveis).
6. Passos táticos
- Abertura, exploração, fechamento: os caminhos para a tática negocial passam pela necessidade de considerar:
- Iniciativa: deve ser tomada quando houver informações suficientes, em casos de dúvida esperar momentos mais adequados.
- Início das transações: de forma otimista, questionando e observando as possibilidades de seus interlocutores.
- Estratégias de concessão: de forma objetiva, sem fazer concessões excessivas no início, nem pobres em opções.
- Estratégias de fechamento: prazos claros, sem “rabichos”. Todos os pontos acertados de forma integral.
- No tocante ao tratamento das diversas nuanças do problema:
. Quando houver informações suficientes exporem suas preocupações quanto ao aprofundamento do problema; em caso de dúvida ou de informações insuficientes, aguardar momento mais propício;
. Deixar claro para seus interlocutores as suas dúvidas e questionamentos sobre os assuntos pertinentes à negociação;
. Não fazer as melhores concessões no início da negociação, nem aceitar as primeiras exigências do interlocutor;
. Eliminar todas as dúvidas; clarificar todas as cláusulas negociadas; só considerar o fechamento da negociação quando todos os pontos estiverem esclarecidos de forma consolidada (toda a negociação).
7. Pontos de recuo
• Até onde levar a negociação; estabelecer um limite, a partir do qual a negociação será interrompida, ou em caso extremo abandonada; lembrar-se que mais vale abandonar uma boa negociação do que carregar um acordo de má qualidade, sobre o qual será pago um preço desagradável.
8. Melhor alternativa - Plano B
• Qual a melhor alternativa disponível para esta negociação, se não obtiver um acordo satisfatório; qual o plano B (alternativa fora da negociação) que permita atingir os objetivos traçados.
9. Precauções
- Cuidados diante da realidade
- Quais os tabus que devem ser considerados na negociação.
- Quais as objeções a serem superadas: dificuldades de informação, má qualidade da argumentação, objetivos mal elaborados, despreparo dos negociadores (estas situações valem para todos os lados da negociação).
- Problemas de natureza física, mental, espiritual, que podem comprometer a negociação.
- Importante considerar não só o seu lado na negociação, mas as objeções que podem afetar todos os envolvidos.
10. Questionamentos
- Quais as questões que devem ser formuladas para o interlocutor durante a negociação.
- Quais as questões que o interlocutor poderá fazer durante a negociação e qual o perfil mais adequado para as respostas a serem dadas.
- É importante lembrar que a qualidade das perguntas é responsável por significativa parte do sucesso dos processos negociais.
Conclusão
Todo o quadro da pré-preparação negocial e do consequente planejamento levam a uma conclusão: o negociador tem como objetivo alcançar o resultado que lhe será favorável. A expressão ganha-ganha não faz parte desse contexto, na medida em que seu foco será a consecução de seu objetivo; se seu interlocutor atingirá seu objetivo ou não este problema seguramente não estará entre suas preocupações.
Existe a negociação ganha-perde, onde o negociador tudo fará para que seu interlocutor seja “derrotado” no processo negocial. Haverá uma negociação perde-ganha, onde um negociador, por despreparo, por desinformação ou mesmo por uma questão estratégica (pode acontecer) opte por “entregar o ouro”.
Mas a negociação ganha-ganha, apregoada como a mais nobre das ações humanas não passa de uma fantasia, em um cenário de competição e competitividade onde o foco é resolver seus problemas, evidentemente sem tentar destruir o interlocutor.
No entanto, ao se preparar de forma conveniente para uma negociação o negociador deve dirigir seu foco para seus interesses. De uma maneira a superar eventuais obstáculos, apresentados por seu interlocutor, que impeçam ou dificulte a consecução de seus objetivos.
Mas imaginar que, neste momento ele está preocupado com o que o outro vai ganhar, repetiremos Olavo Bilac: ora direis, ouvir estrelas.
TEXTO DE: Francisco Bittencourt (Consultor Sênior do Instituto MVC e Professor dos MBAs Executivos da FGV)
RETIRADO DE: HSM OnLine http://www.hsm.com.br/
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