segunda-feira, 15 de agosto de 2011

RICARDO SEMLER

De mega star das mudanças corporativas a guru da educação e sei lá mais o quê. Confira a trajetória de Ricardo Semler e veja o que o cara está fazendo hoje com as suas vinte e quatro horas por dia.

Antes de ler, pense em uma coisa:

(Alguns) empreendedores tem um plano de negócio para as suas empresas, mas (nenhum) empreendedor tem um plano de negócios para a sua vida.

Os trechos abaixo fazem parte do artigo sobre Ricardo Semler publicado pela Época Negócios meses atrás.

"Na biblioteca particular do empresário Ricardo Semler não existem livros de autoria de Ricardo Semler. Nem um exemplar sequer dos best-sellers Virando a Própria Mesa ou Maverick, com mais de 1 milhão de cópias vendidas; ou mesmo de obras de menor impacto comercial como Você Está Louco! e Seven-Day Weekend. Semler conta que os queimou numa imensa fogueira armada no jardim de sua casa, em Campos do Jordão, no inverno de 2007. A cerimônia de cremação durou cerca de uma hora e meia, tempo suficiente para que atirasse às chamas dezenas de livros com sua assinatura e mais de 80 vídeos com entrevistas e palestras dos últimos 20 anos. A pergunta inevitável: por quê? Diz que estava cansado de ser visto apenas como o cara que virou a própria mesa, tendo de contar e recontar mil vezes a história da revolução corporativa que liderou no Grupo Semco, de sua família. “Os livros e as palestras foram importantes na minha trajetória, mas essa fase passou”, afirma. “Fazer mais da mesma coisa até o fim da vida me parece um desserviço.” Sua mulher, Fernanda Ralston, de 32 anos, foi testemunha do fogaréu literário e resume simbolicamente o ato: “Foi como um ritual de passagem. Ali, o Ricardo renasceu”.

O novo Ricardo Semler acaba de completar 50 anos. É um homem encorpado, de 1,87 metro de altura, que se mantém em razoável forma física graças às partidas diárias de tênis em sua quadra particular. A idade lhe rareou os cabelos e abrandou o temperamento. O garotão que nos anos 80 surgia como um furacão empresarial, quebrando regras com sua filosofia de gestão participativa, hoje está mais sereno, paciente, bem-humorado e dedicado às questões familiares. Tem bons motivos para isso: as gêmeas Olívia e Letícia, de 9 meses, e Arthur, que chega em outubro – Fernanda está grávida de 6 meses. Completam a família os meninos Felipe, de 10 anos, do primeiro casamento de Semler, e Pedro, de 6, do primeiro casamento de Fernanda.




Semler está decidido a contar uma nova história. Quer escrever um romance sobre a resistência dinamarquesa na Segunda Guerra, rodar um longa-metragem e virar autor de peças de teatro. Trabalho? “Gasto apenas uma hora do meu dia pensando nisso”, diz ele. “Presença física nas empresas é algo raríssimo de acontecer. Compromissos profissionais, tenho um em cada quatro dias. Telefonema de negócios é uma vez por semana. Almoço executivo, eu faço a cada dois ou três meses e jantar eu aboli de vez, quero estar sempre cedo em casa.” Quem o conhece diz que o acidente ocorrido em 2005, quando seu carro entrou embaixo de um caminhão na estrada velha de Campos do Jordão, também o fez repensar valores. Semler foi resgatado das ferragens e internado em estado gravíssimo.

A decisão de se afastar do trabalho é algo que ele vem cultivando desde os tempos da Semco. Em 1986, então com 27 anos, Semler mudou radicalmente seu expediente. Entrava às 10h30 e saía às 19 horas. Queria tempo para ver filmes – o cinema é uma de suas paixões –, ler, viajar e tocar guitarra. “Trabalho não é tudo”, costumava dizer. O comportamento, à época, foi tratado como arroubo juvenil. Quando crescer, ele para com isso, diziam os mais experientes. Pois Semler cresceu e não parou. Ao contrário. Pode não apenas encurtar o expediente mas também, finalmente, deixar de lado aquilo que, para ele, não faz mais sentido. “Fiz uma conta de banqueiro suíço. É a seguinte: se você tiver 20 vezes o que gasta anualmente, pode continuar tranquilo com a sua vida, dedicando 95% do tempo à família e o resto a projetos pessoais.” Fácil para quem tem uma conta corrente de padrões suíços, diga-se.

Mesmo quando Semler fala nos 5% de tempo devotado ao trabalho, não o imagine resolvendo questões corriqueiras na Semco Equipamentos Industriais, na Brenco (produtora de álcool e etanol), na Brasil Agro (investidora de propriedades rurais) ou em outras companhias nas quais detém participação acionária. “Nunca fui ao escritório da Brenco e não conheço o presidente da Brasil Agro”, diz. O novo Ricardo Semler demitiu de vez o trabalho convencional. Seu interesse, no momento, se estende a negócios inovadores, algo que lhe proporcione algum envolvimento emocional. “O projeto tem de ser sexy. Jamais investiria numa mina de cassiterita, por exemplo. Tem algo mais chato do que isso?”




Mas o que seria sexy para Semler? Cuidar da Amazônia. E lucrar com ela. Nos últimos tempos ele vem tentando colocar em pé o projeto Guardiam, uma instituição híbrida, que atuará como ONG ambientalista e também como uma empresa capitalista – “for profit”, como ele gosta de dizer, entremeando frases com expressões em inglês. A ideia é congregar o máximo possível de ONGs existentes na região em uma superong amazônica, sob a holding Guardiam. “ONGs têm bons projetos, mas lhes faltam competência administrativa e planejamento”, diz Semler. “É aí que entra a parte privada.” O objetivo é capacitar a população local não apenas para que garanta o próprio sustento mas também para que desenvolva negócios lucrativos, como uma indústria de fármacos e cosméticos. “Ao mesmo tempo, o Guardiam atuaria como uma fiscal do desmatamento, do uso inteligente dos recursos, do manejo sustentável das grandes áreas”, afirma Semler. Enfim, uma guardiã da floresta – daí o nome da empresa, mistura de guardião com Amazônia. “Se Ricardo Semler realmente viabilizar esse projeto e se o empreendimento for um primor de transparência, será um avanço e tanto no modelo capitalista”, diz Maria Fernanda Gayoso, integrante de uma equipe da Fundação Getulio Vargas que estuda o chamado setor 2.5, de empresas sociais.
“As ideias de Semler são interessantes, mas de difícil execução” Horácio Piva

No mês passado, Semler voou até Londres para se encontrar com um grupo de investidores dispostos a ouvi-lo sobre o Guardiam. “Existem oito, dez grandes empresários internacionais cujo interesse pela questão ambiental é equivalente ao interesse pelos negócios. A ideia é juntar essa turma”, afirma. Ele não revela o nome dos potenciais sócios, mas o que se sabe é que alguns de seus parceiros da Brenco, como Steve Case, fundador da AOL, e Vinod Khosla, da Sun Microsystems, já se interessaram pelo emprendimento. Semler é daqueles que adoram uma polêmica. Uma superong capitalista na Amazônia, financiada por investidores estrangeiros, seria prato cheio para protestos nacionalistas.
De concreto mesmo na carteira de negócios alternativos há a escola Lumiar, adepta da pedagogia libertária, um sistema de ensino inspirado nos princípios de liberdade e democracia do filósofo suíço Jean-Jacques Rousseau. Em 2002, Semler valeu-se de um casarão da década de 30, nos arredores da avenida Paulista, em São Paulo, para montar a instituição. As escolas libertárias têm em comum a participação dos estudantes na gestão, a ausência de hierarquia, de provas e de boletins e o livre aprendizado. Nelas, cabe ao professor apenas guiar as crianças na descoberta dos próprios interesses.
“Semler é um negociador, não mais um executor”, diz Michel Harari, da Semco
Existem mais de 200 escolas no mundo seguindo essa linha. A mais famosa é a Summerhill, fundada na Inglaterra em 1921 pelo escocês Alexander Neill. “A Lumiar não é uma versão contemporânea de Summerhill, onde a liberdade e a democracia são usadas como fim e não como ferramentas de ensino”, afirma Semler. “Para nós, era fundamental que libertássemos as crianças da estupidez do sistema escolar convencional, mas não da magia do conhecimento.”
“Aproveitamos o bom momento para retomar a iniciativa de levar a pedagogia libertária a uma escola pública em Campos do Jordão, algo que Ricardo havia tentado fazer, sem sucesso, anos atrás”, diz Fernanda. A escola foi montada em Santo Antonio do Pinhal, vizinho a Campos. Funciona em período integral. “Havia seis alunos quando iniciamos a atividade. Hoje tem 70 e fila de espera.” O casal Semler, que também criou uma escola rural bilíngue na região, agora quer replicar o conceito Lumiar em várias cidades brasileiras, numa espécie de parceria público-privada. Nove municípios, em São Paulo e Minas Gerais, já teriam manifestado interesse na “lumiarização” das escolas públicas. É outro assunto capaz de gerar polêmica. “As famílias da maioria destas crianças estão acostumadas a avaliar o filho pela quantidade de lição de casa ou pelos boletins. Pedagogia libertária, para elas, é uma grande mudança cultural”, diz Ryon Braga, fundador da consultoria Hoper Educacional. “Ouso dizer que as crianças, sem o devido apoio e entendimento dos pais, poderão apresentar déficits cognitivos importantes. Não sei se a lumiarização está contemplando essa questão.” Fernanda afirma que nenhum aluno da escola terá carência de currículo.
Semler sabe que todos esses negócios alternativos são vistos com ceticismo por alguns de seus pares e amigos. Horácio Lafer Piva, acionista e conselheiro da Klabin, ex-presidente da Fiesp e ex-presidente do conselho do grupo Semco, costuma dizer que as ideias de Ricardo Semler são interessantes do ponto de vista de reflexão, mas de difícil execução. “São ideias contemplativas”, afirma. Até mesmo o diretor de novos negócios do grupo Semco, Michel Harari, muitas vezes tem de trazer o “chefe” de volta ao mundo real. “O Ricardo não tem problemas com respostas negativas. Ouve todo mundo e pondera”, diz Harari. “Mas tem uma coisa. Se ele acredita mesmo no negócio, faz de tudo para que aconteça.” Segundo o executivo, Semler deve ser usado da forma certa: para abrir portas e consolidar projetos. “Ele é um negociador, não mais um executor.”


O empresário construiu, ao longo de sua trajetória, uma poderosa rede de contatos internacionais. Os livros de gestão, traduzidos para 39 idiomas, e as palestras feitas em quase todos os continentes (ele chegava a cobrar US$ 40 mil para subir ao palco) abriram as portas de um mundo a que poucos empresários brasileiros tiveram ou têm acesso. Graças a esse networking (para usar uma expressão que ele adora), Semler consegue levar adiante seus projetos. Um bom exemplo foi a Brasil Agro. “Fizemos IPO de um PowerPoint”, afirma. Traduzindo: ele conseguiu levantar US$ 300 milhões com uma série de investidores sem ter nada de concreto a oferecer – só um projeto exposto na tela do computador. O mesmo ocorreu com a Brenco. Quando a ideia surgiu, os amigos de Semler o aconselharam a desistir do projeto. O principal entrave, segundo os conselheiros do empresário, era que se associar a usineiros não seria exatamente um bom negócio. “Ouvi que era um setor sombrio, de sonegações, queimadas e outra série de infrações históricas”, diz Semler. “Ficou claro que não acharíamos sócio confiável no Brasil.”
Semler trocou as participações majoritárias em negócios menores pelo envolvimento minoritário em empresas maiores. Hoje, ele é o maior acionista somente da Semco. Em todas as outras empresas, mantém cotas que não ultrapassam os 5%. “O que não significa que esteja ganhando menos dinheiro, ao contrário. Ele detém pequenas fatias de negócios bilionários”, diz um ex-diretor da Semco. A mudança de postura está diretamente ligada à sua vontade de não mais dar as cartas em nenhuma companhia. Ele se interessa pelo nascimento da empresa e por sua eventual venda. A parte operacional e a burocracia do dia a dia corporativo lhe provocam longos bocejos. “Este é um grande defeito dele”, afirma o mesmo executivo. “Não se pode ser apenas o gênio criativo. É preciso acompanhar o projeto, sob pena de ver sua criação morrer antes do primeiro ano.”

Essa postura em relação à fase de execução dos projetos talvez explique também a pouca paciência de Semler ao falar sobre os atuais modelos de gestão praticados nas empresas. “Acho que não existe nada de novo. São velhas práticas com nomes diferentes. Só isso”, afirma ele. E as palestras com os pensadores administrativos da atualidade? “Acho que não têm nada de novo. São as mesmas teorias que eu ouvia anos atrás, com nomes diferentes”, repete.

As poucas palestras que faz atualmente – mais voltadas à educação e às questões sociais – e os royalties de seus livros garantem boa parte do orçamento da Fundação Ralston Semler. Já o orçamento da família Semler vem dos dividendos da Semco e das demais empresas, devidamente aplicados e multiplicados mês a mês. “É Fernanda quem cuida da parte financeira”, diz Semler. “Eu nem sei quanto tenho.” (Tem o suficiente para comprar uma praia particular em Alagoas. São 150 mil metros quadrados de areia na inóspita Patacho, ao norte da capital, Maceió. “Ricardo é um sujeito rico, de hábitos caros”, diz Horácio Piva.)

A família Ralston Semler vive em uma mansão erguida num terreno de 2 milhões de metros quadrados, maior do que o Parque Ibirapuera, em São Paulo. O acesso se dá pela estrada velha e sinuosa de Campos do Jordão que desemboca no bucólico bairro dos Mellos – localizado na divisa com os municípios de Santo Antonio do Pinhal e São Bento do Sapucaí. Passa-se por um vilarejo e, após alguns minutos de mais uma viela, alcança-se o portão da residência dos Semler – que os moradores do vilarejo apelidaram de castelo de vidro.


Faz lembrar, de fato, um castelo moderno, o tipo de estrutura que leva o visitante, num primeiro movimento, a esticar o pescoço e olhar para cima. A estrutura de aço, madeira e vidro dá o toque contemporâneo à construção. Contemporânea também é a decoração, que foge ao estilo chalezinho suíço das casas da região. No hall de entrada, piso de madeira clara, paredes de cores suaves e um curioso pendurador de roupas de equitação – um dos esportes favoritos de Fernanda. Do hall, abre-se um corredor, alguns lances de escadas e chega-se à sala principal, em desnível. O pé-direito, de 12 metros, confere à sala um ar de lobby de hotel. No canto, um piano de cauda, preto. Enquanto conta a história da casa – construída após o casamento, em 2007 –, Semler alimenta a lareira. “Há quatro anos o Ricardo tinha apenas um pedaço pequeno desse mesmo terreno”, diz Walter Nicolau Jr., empresário do setor de imóveis e padrinho do primeiro casamento de Semler – com Sofia, a mãe de Felipe. “A casa também era bem simples.”
Semler gosta especialmente da biblioteca. Nas prateleiras, centenas de livros organizados por assunto. Arquitetura, gastronomia, romances, biografias, filosofia, história, arquitetura de novo, teatro. Nenhum sinal de literatura empresarial. Ele acabou de ler Leite Derramado, de Chico Buarque, e está com mais quatro livros na fila, empilhados sobre o criado-mudo ao lado de sua cama. São Silent Spring, de Rachel Carlson, o primeiro grande tratado ambientalista do mundo; The Life and Death of Classical Music, de Norman Lebrecht; O Crime do Restaurante Chinês, de Boris Fausto; e Post War, de Tony Judt.
“Sou uma espécie de ING, um indivíduo não governamental”

O quarto do casal, o maior dos oito dormitórios da residência, poderia ser definido como a “coroa” do castelo, sua torre principal. As paredes são envidraçadas, com persianas eletrônicas que o dono da casa deixa abertas nas noites estreladas (ele não tem vizinhos a incomodá-lo) e programa para subirem sincronizadas com o sol. “Acordo com luz natural”, diz. Às 7 horas ele já está de bermuda, camiseta, tênis, boné e raquete em punho. Rubens, um dos 18 funcionários da casa, contratado no Tênis Clube de Campos, o espera, na quadra com piso sintético. Ao lado dela, o empresário montou um galpão para a criançada, com piso emborrachado e brinquedos. Próximo ao galpão, o estúdio de música, equipado com vários instrumentos e um computador que ajuda Semler nas experiências musicais. A invenção do momento é a fusão da música clássica com rock-’n’-roll. Ele tem como cúmplice nessas horas o amigo João Paulo de Almeida, um dos fundadores da finada banda Joelho de Porco.

Ao deixar o estúdio, Semler caminha até a entrada da casa. Ali, no ponto mais alto do terreno, contempla a paisagem serrana, indica o vilarejo e afirma: “Sinto-me como uma espécie de senhor feudal. Construí tudo isso aqui, a igreja, a escola, o campo de futebol, o empório”. É verdade. Quando os Semler se mudaram para Campos do Jordão, levaram para o vilarejo um pouco do mundo a que estavam acostumados. Construíram o empório dos Mellos e o viveiro dos Mellos. Também montaram uma carpintaria, reformaram a igreja, abriram a filial da Lumiar e a escola rural bilíngue. “Quando nos casamos e decidimos mudar para Campos, resolvi que precisávamos ter escola para nossos filhos”, afirma Fernanda. Os pequenos negócios na região obedeceram mais ou menos à mesma lógica: a de servir ao casal e à comunidade. O botânico que cuida do viveiro, Marcos AurélioMoreira, foi o paisagista da casa. A carpintaria fez alguns dos móveis e os acabamentos de madeira. Um bistrô, com mesinhas para um lanche rápido, foi uma mão na roda para os moradores famosos. Tudo isso, após certo tempo, foi entregue à comunidade, que criou uma cooperativa para administrar os negócios. Alguns se mantêm de pé, como o viveiro e o bistrô. A carpintaria não existe mais. “Não sou paternalista. Negócio bom é aquele que, se a gente sair, sobrevive”, diz Semler. Sobre os motivos que o levaram a deixar os estabelecimentos nas mãos de moradores do vilarejo: “Me sinto bem com isso.
Sou uma espécie de ING, um indivíduo não governamental”.
Basta dar uma volta com Fernanda pela região para conferir sua popularidade. Da janela do seu Land Rover, ela acena e é cumprimentada pelos moradores. Nas escolas, as crianças também já conhecem a dona Fernanda, e as professoras se apressam em saudá-la, contando as novidades. “As crianças de 8 anos tiraram nota 98,5 (numa escala de 100) na Provinha Brasil”, conta Vivian Faria de Sá, diretora da Lumiar pública. A Provinha Brasil, feita para crianças desta faixa etária, é um instrumento criado pelo MEC para avaliar o ensino fundamental. Fernanda sorri com a novidade, enquanto se dirige à escola rural. São apenas 14 alunos, cantando e falando inglês. A mensalidade é de R$ 700. Semler não acompanha a mulher nesse contato com a comunidade. Prefere ficar na dele, recluso, curtindo o que os amigos convencionaram chamar de sabático estendido. E os desafetos batizaram de aposentadoria chique – ou dolce far niente.

“O Ricardo é ciclotímico, muda de interesse a cada estação. Hoje só tem olhos para Campos e para os projetos particulares. Mas não se surpreenda se daqui a algum tempo ele parar com a reclusão e aparecer com outro discurso”, afirma Horácio Piva. O sabático estendido também pode ser explicado por outro episódio que nada tem a ver com a família ou a ciclotimia do empresário. Pessoas próximas a ele acreditam que o fracasso do Hotel Botanique seja um dos principais fatores da reclusão de Semler. Homem acostumado a projetos bem-sucedidos, ele teria se abalado profundamente com o episódio. Em 2004, o controlador da Semco idealizou aquele que seria o ecoresort mais exclusivo do Brasil. Batizado de Botanique Hotel Gourmand & Spa, o empreendimento, localizado no bairro dos Mellos, em Campos do Jordão, inauguraria um novo estilo de hospedagem. Seriam apenas 20 quartos de 80 metros quadrados cada, com diárias de US$ 1 mil. A revista Poder, da jornalista Joyce Pascowitch, detalhou o projeto: “Haveria um concierge quase que exclusivo para cada hóspede, carrinhos de golfe (meio de transporte entre as dependências do local), flores, frutas e charutos trocados uma ou mais vezes ao dia em cada quarto, além de um iPod customizado com o gênero musical preferido dos hóspedes. E mais: borboletário, trilhas, mirantes, lagos”. Semler previa ainda a criação de uma escola para formar os funcionários do hotel. O viveiro e o empório também prestariam serviço ao Botanique. Enfim, um negócio caro e de difícil execução.
Ainda assim ele convenceu a investir no projeto empresários como Paulo Bilyk e Mário Fleck (sócios da Rio Bravo Investimentos), o chef de cozinha Laurent Suaudeau, que seria responsável pela culinária do resort, Jair Ribeiro (CPM Braxis) e Roberto Baumgart (dono de shopping centers), entre outros. Todos como pessoa física. A turma injetou mais de R$ 20 milhões e captou outros R$ 9 milhões junto ao BNDES. Só que o dinheiro não foi suficiente para cobrir os gastos do empreendimento, as obras foram interrompidas e 200 funcionários demitidos. “Quando Semler tentou uma chamada extra de capital com os sócios, em 2006, levou um chega pra lá”, diz um empresário que acompanhou o processo. Depois disso, alguns acionistas ainda se uniram para pagar fornecedores e o BNDES, organizar um esquema de retomada da obra e administrar o engavetamento do projeto. “Houve erro de planejamento”, afirma Bilyk, um dos investidores. “A cada reunião, o Ricardo aparecia com uma novidade e as mudanças acabaram inviabilizando o negócio.” Segundo Fernanda, o hotel está pronto, mas sem operar. Bilyk corrige, dizendo que o hotel está semiacabado. Os sócios procuram compradores para o Botanique.

Ao longo de sua trajetória, Semler despertou ódios e paixões. Construiu uma legião de admiradores, fãs de suas teses e livros, mas também encontrou pelo caminho muita gente que o considerava arrogante, presunçoso e marqueteiro. Em um ponto, amigos e desafetos concordam: Semler inovou ao implementar na Semco, nos anos 80, a democracia empresarial que acabaria por inspirar várias empresas nas décadas seguintes. “Quase não acreditei quando vi aquele meninão de 20 e poucos anos se apresentar como presidente da Semco e me fazer perguntas nada convencionais sobre gestão participativa, integração entre o chão de fábrica e a diretoria, divisão de poder, remuneração por desempenho, felicidade no trabalho”, diz Clóvis Bojikian, de 72 anos, atual conselheiro da Fundação Ralston Semler e ex-diretor de RH da Semco. Bojikian, formado em pedagogia e administração, é considerado o guru de Semler. Foi ele quem tornou possível a realização daquilo que estava fervilhando na mente do meninão. “Ao mesmo tempo em que implementávamos novas políticas de gestão, Ricardo diversificava a Semco, em parceria com multinacionais”, diz Bojikian. A mais famosa se deu com a Cushman & Wakefield, a centenária empresa americana do setor imobiliário. Em mais de 20 anos à frente do negócio que herdou do pai, Antônio Semler, Ricardo fez o número de funcionários crescer de 300 para 3 mil e o faturamento, de US$ 4 milhões para US$ 200 milhões. Hoje, passadas algumas crises, o Grupo Semco pode ser considerado uma empresa de médio porte, formado pela Semco Equipamentos Industriais e pela Pitney Bowes, especializada em processamento de documentos. Bojikian acredita que a Pitney em breve será vendida. “Mas nada que comprometa os dividendos de Ricardo”, diz.
“Ele poderá continuar com sua vida alternativa em Campos.”

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