RODOLFO: Num artigo recente (Good Decisions, Bad Outcomes) você mencionou outro pesadelo dos administradores: a aleatoriedade. Como você acha que as pessoas estão preparadas para lidar com a aleatoriedade em suas vidas?
ARIELY: Terrivelmente. Nós simplesmente não somos bons em lidar com o acaso. Imagine que você está num campo e tem que chutar uma bola, de olhos fechados. Se você introduzir alguma aleatoriedade, todo o seu poder de previsão se acaba.
Isto se chama aprendizado de múltiplas causas. Imagine que eu te dê um lista de filmes, diga quanto dinheiro foi gasto em cada um deles, quanto arrecadaram na primeira semana e lhe perguntasse qual seria a receita no final de um ano. Se você deixar que as pessoas façam isso de forma intuitiva, dando algumas variáveis, elas se saem muito bem. Se você fizer isso algumas vezes, vai ficar bom. Adicione aleatoriedade e todo mundo se perde. Não dá para pensar num modelo que incorpore a aleatoriedade. Nós buscamos padrões o tempo todo. Olhamos para uma nuvem e vemos uma figura.
RODOLFO: Leonard Mlodinow fala muito sobre isso em O andar do bêbado. Nassim Taleb também (em Iludido pelo acaso e O cisne negro).
ARIELY: Sim, adoro “O andar do bêbado”! Mas Taleb é uma história diferente. Ele se baseia no fato de não entendermos as anomalias na distribuição das médias e não sobre buscarmos padrões em coisas aleatórias. Ele fala sobre não compreendermos coisas inesperadas e que todos os cálculos sofisticados que fazemos sobre distribuição de riscos é falho. Ele é um cara muito interessante. Recentemente foi chamado para palestrar numa universidade suíça, mas disse que a condição para ele ir era que abolissem as aulas de finanças.
RODOLFO: Você deu um exemplo pessoal de como a irracionalidade pode afetar o seu lado profissional. Mas como isso acontece dentro da sua casa, quando você vê seus filhos se comportando de forma irracional? Você os corrige ou acha que isso é parte do aprendizado?
ARIELY: Algumas irracionalidades são boas. Não acho que todas sejam ruins. A forma como nos preocupamos com estranhos, por exemplo, é irracional. Não faz sentido algum. Se tudo o que você quer é ser rico, por que se preocupar com as pessoas no Japão?
Então eu encorajo este lado irracional. Meu filho de oito anos e eu acabamos de escrever o nosso primeiro artigo juntos, sobre o jogo Angry Birds. Perguntamos por que os pássaros se comportam de forma diferente, se são todos iguais. Na biologia evolutiva, pegamos fatos da natureza e imaginamos por que aconteceram. É uma disciplina muito parecida com a Economia: você pega o estado atual das coisas e tenta explicar como aconteceram, de acordo com algumas premissas. Mas em nenhum dos dois casos dá para explicar tudo.
Então, basicamente, eu tento incentivar o comportamento irracional. Minha esposa e eu discordamos às vezes. Recentemente, por exemplo, meu filho fez um projeto para a escola que levou uma semana. O professor disse: “se você fizer isso, isso e aquilo, ganha um A; se fizer menos, ganha um B; menos ainda, um C e assim por diante”. Eu disse para ele: “tire um C”. O esforço extra não compensa, se você considerar custo e benefício. Minha esposa detestou isso...
RODOLFO: Muitas vezes os incentivos podem sair pela culatra. Que tipos de incentivos você acha que funcionam?
ARIELY: Pessoalmente eu tento não dar às crianças qualquer incentivo financeiro. Não acredito em dar trocados por tarefas. Eu tento mostrar o lado positivo das coisas que fazem em família, sem a necessidade de dar dinheiro para isso. Tento não dar dinheiro para lavar a louça ou levar o lixo para fora, senão vira uma simples troca financeira e sua casa se transforma numa empresa.
RODOLFO: Parte do seu novo livro trata sobre novas descobertas a respeito da motivação. É a motivação das pessoas que está mudando ou só agora estamos fazendo as perguntas corretas a respeito?
ARIELY: É a motivação que está mudando. Pense no que fazíamos quando éramos caçadores e coletores, lá na Idade da Pedra. Havia uma limitação na quantidade de motivação que você poderia ter. Além disso, as pessoas não viviam muito tempo.
Uma mudança dramática no atual cenário foi o surgimento de uma classe média. Pense nos pequenos luxos que você pode conseguir agora. Você pode comprar um telefone, um computador e uma porção de outras coisas legais. A vida está muito diferente. Antes da Revolução Industrial você era muito rico ou muito pobre - não havia nada no meio. Agora há diversos níveis intermediários. Isso realmente mudou a motivação.
Escrevi recentemente sobre a utilidade das coisas inúteis (The Upside of Useless Stuff). Imagine que eu começasse a vender garrafas cheias de ar. Uma coisa inútil, mas que as pessoas começassem a gostar. Então elas passariam a trabalhar mais para conseguir comprar. E, no final das coisas, esta coisa inútil teria uma utilidade, que seria fazer as pessoas quererem trabalhar mais. Seria uma vergonha as pessoas gastarem dinheiro com isso mas, por outro lado, seria um fator motivacional. O fato de haver um monte de coisas inúteis que você queira comprar já muda a sua motivação.
Outro causador desta mudança é que hoje temos várias maneiras diferentes de nos expressar, o que não acontecia no passado. E temos muito tempo livre. Você não precisa mais caçar mamutes, é só colocar a comida no micro-ondas. O tempo que você dedicava tentando sobreviver agora é livre. O que você vai fazer com ele? Nós aumentamos a quantidade de coisas que podemos ter e agora temos mais tempo e mais dinheiro para pensar nisso.
Além disso, há a especialização em tarefas. Antigamente tínhamos que caçar e colher, mas depois que o dinheiro foi inventado, pudemos nos especializar em determinadas tarefas. Você pode se tornar jornalista, porque teve tempo para dedicar em vez de plantar ou caçar.
A especialização foi um enorme avanço. Se você pensar como as pessoas podem escolher suas profissões da forma como se encaixam em seus sonhos e aspirações, de uma forma que antes não era possível, isso realmente mudou a História. Isto permite trazer muito mais significado para a vida.
RODOLFO: Você mencionou as novas pesquisas que está fazendo. Como vai a “teoria do homem das cavernas”?
ARIELY: Ela gira em torno da forma como as pessoas adoram a palavra “natural”. No Brasil também é assim?
RODOLFO: Sim, bem parecido.
ARIELY: Você pega um remédio, acrescenta a palavra “natural” e aí as pessoas acham que ele é melhor. Basicamente o que estamos descobrindo é que as pessoas não acham que o medicamento é melhor para tratar a doença. Mas elas pensam que tem menos efeitos colaterais, especialmente os de longo prazo.
É como se as pessoas achassem que o corpo humano é como um grande relógio, com suas engrenagens. Pensam que ambos os remédios são como uma engrenagem que pode substituir uma outra defeituosa, mas que o natural não vai destruir outras peças da máquina. E por isso as pessoas estão mais inclinadas a tomar medicamentos naturais, mesmo que não estejam aprovados pelas autoridades sanitárias. Isso pode ser altamente prejudicial.
O mesmo acontece com alimentos geneticamente modificados, que encontram grandes barreiras. É um modo eficiente e útil de cultivar alimentos, mas as pessoas morrem de medo. Todo milho ou soja foi modificado geneticamente pela natureza. O que comemos hoje não é igual ao que era algumas centenas de anos atrás.
RODOLFO: Você acha que isso pode ser usado de forma negativa?
ARIELY: Acredito que este movimento de coisas naturais está amedrontando as pessoas para direcionar seus comportamentos.
RODOLFO: É assim que agem os movimentos ecológicos?
ARIELY: Não necessariamente. Pense nos desastres nucleares. Há um risco muito pequeno de que alguma coisa ruim aconteça, mas as pessoas têm um medo gigantesco disso. Mas na sociedade atual isto (energia nuclear) é necessário. Então o desafio é fazer as pessoas entenderem o tamanho real do risco que enfrentam. Você não imagina a quantidade de cartas que comecei a receber depois que falei deste assunto.
RODOLFO: Posso imaginar, se for algo comparável ao caso dos dentistas (Ariely deu uma entrevista numa rádio, na qual disse que os dentistas tinham incentivos perversos para achar problemas nos dentes de seus pacientes).
ARIELY: (Risos) Isso foi uma das piores coisas da minha vida! Depois dessa entrevista, o chefe do Conselho local me escreveu uma carta exigindo uma retratação. Eu respondi que não dava para retratar a verdade.
Se você mostrar uma radiografia para um dentista, com uma cárie num dente e pedir que ele encontre uma cárie neste dente específico, ele a encontrará. Se você pedir a outro dentista que encontre alguma cárie na radiografia, ele também encontrará, mas em outros dentes. A chance de dois dentistas encontrarem a mesma cárie, no mesmo dente, é de 50%.
RODOLFO: Mas isso também pode ocorrer em outras especialidades médicas.
ARIELY: Pode acontecer com todo mundo! Cirurgia de coluna é outro exemplo. As pessoas reclamam de dor nas costas, fazem exames e operam. Então começaram a fazer exames modernos em pessoas que não sentiam dor e também encontravam problemas nas vértebras, iguais aos das que sentiam dor. Todos temos problemas nas vértebras e então começaram a operar todo mundo. Isso não funciona.
Voltando aos dentistas, o Diretor da Associação Americana de Dentistas escreveu um email para 165.000 dentistas, pedindo que me escrevessem pessoalmente. Eu recebi milhares de emails. Alguns deles diziam: “você está correto, realmente existe este problema e algo precisa ser feito. Eu não posso lhe dizer o meu nome, mas desejo-lhe boa sorte!”.
RODOLFO: Dan, muito obrigado por seu tempo e pela agradável conversa.
ARIELY: Também gostei muito! Você curte charadas?
Quando respondi que sim, Ariely enroscou um pequeno bastão de metal amarrado a uma cordinha na minha camisa e desafiou-me a desenroscar a geringonça sem cortar o fio. Disse-me para escrever-lhe depois dizendo quanto tempo levei. Confesso que precisei de um par de horas para desatar o nó...
Rodolfo Araújo
Mestre em Administração pela PUC-RJ; Pós Graduado em TI pela FGV-RJ; Bacharel em Comunicação Social pela UFRJ.
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