Um desses acasos do destino colocou-me frente a frente com Dan Ariely em sua recente visita ao Brasil, por ocasião do Fórum de Gestão e Liderança da HSM Brasil. O que era para ser uma entrevista formal, tomou forma de um descontraído bate-papo, onde o divertidíssimo autor de Previsivelmente Irracional e Positivamente Irracional falou sobre motivação, família, trabalho e, claro, irracionalidade.
RODOLFO: Vários autores exploraram recentemente o tema irracionalidade em suas obras, como Malcolm Gladwell (Blink, a decisão num piscar de olhos), Stephen Dubner e Steven Levitt (Freakonomics e Superfreakonomics), Tim Harford (The Logic of Life). O que há de comum ou diferente nestas obras?
ARIELY: Os outros autores que escrevem sobre a irracionalidade preocupam-se se o copo está meio cheio ou meio vazio, em vez de se preocuparem com o copo. Pense em Freakonomics. Eles fizeram um estudo com lutadores de sumô, mostrando que eles trapaceavam um pouco. O fato de trapacear um pouco não significa que trapaceiem o tempo todo, mas que eles não são totalmente honestos. Eles respondem aos seus incentivos. O meu interesse é estudar por que eles não trapaceiam o tempo todo. Por que trapacear só um pouco?
RODOLFO: Sim, a racionalidade diz que eles deveriam trapacear o tempo todo.
ARIELY: O problema é que os outros livros abordam o comportamento através de uma perspectiva de racionalidade, considerando que as pessoas são perfeitamente racionais. Os estudos mostram que as pessoas são influenciadas por forças racionais. Não acho que as pessoas não sejam, mas as forças racionais não mostram o quadro inteiro. Muita coisa fica sem explicação.
Em seu primeiro livro, Tim (Harford – The Logic of Life) diz que tudo o que fazemos é otimizado. Já o novo (Adapt: why Success Always Start with Failure?) busca algumas explicações em experimentos. Quando você faz um experimento, já parte do princípio que as coisas não são otimizadas. Porque se você tem que testar, significa que não é perfeito e que você não pode confiar na sua intuição.
A Economia é um modelo de aprendizado. O mercado e o ambiente lhe forçam a aprender, de forma a atingir um ponto ótimo. Você precisa aprender mais e precisa ser sistemático na sua forma de aprender. A Economia Comportamental está mostrando que as pessoas têm uma intuição ruim e, numa situação dessas, têm que se esforçar mais para aprender.
RODOLFO: Em seu novo livro, The Predictioneer’s Game, Bruce Bueno de Mesquita diz que tudo o que fazemos é racional, mas pelo fato de não entendermos as motivações das pessoas, dizemos que é irracional.
Eu não gosto dessa definição. Acho que há um problema em dizer que tudo o que as pessoas fazem é racional. Dizer que fazer alguma coisa aumenta a sua utilidade é diferente de dizer que é racional. Pense no que escrevi em Positivamente Irracional quando fiz o tratamento com interferon. (Ariely contraiu uma séria hepatite e o tratamento consistia em três injeções semanais que o faziam vomitar a noite toda. Depois desta experiência pessoal, ele estudou por que as pessoas tinham tanta dificuldade em aderir a tratamentos médicos, mesmo quando os efeitos colaterais não eram tão desagradáveis.) Isto é incoerente com o conceito de utilidade.
Recentemente fiz um trabalho com propagandistas médicos da Indústria Farmacêutica. Nos EUA normalmente são mulheres e muito atraentes. Algumas vezes elas se insinuam para os médicos e pagam por seu tempo, como se fossem consultores. Frequentemente pagam almoços e entradas para jogos de basquete.
A Indústria entende os médicos melhor do que eles mesmos. Sabem melhor do que os médicos que tipos de incentivos funcionam e assim exercem influência sobre eles. Os médicos pensam que quando os propagandistas lhes pagam o almoço, não estão exercendo influência sobre eles. Seria tolo achar que eles entendem isso. As evidências mostram que os médicos não percebem quando estas forças estão agindo.
RODOLFO: Você diz que os médicos não vêm a influência agindo. Você vê a influência agindo? Você percebe quando não está sendo racional?
ARIELY: Não, em vários momentos. Eu me preocupo muito com conflitos de interesses, por exemplo, porque eles dizem muito sobre o comportamento irracional. Envolve sermos pagos para vermos as coisas de uma maneira diferente. Vemos as coisas de forma diferente, mas não percebemos isso quando fazemos algo porque recebemos para isso.
Se você torce para um time, consegue ver um jogo de futebol de forma objetiva? Claro que não. Com médicos, banqueiros e políticos, não dá para acreditar que possam fazer melhor.
Vou contar-lhe uma história: eu estava fazendo um experimento no laboratório e esperava ter um resultado interessante. Num dos grupos havia um sujeito que teve uma performance péssima, prejudicando a média do grupo todo.
Eu verifiquei seus dados com mais atenção e vi que era uns vinte anos mais velho que os outros voluntários. E eu me lembrei que havia um senhor neste dia que estava bêbado.
Então eu percebi que este ponto fora da curva era o bêbado, então pensei: “Vamos eliminá-lo”. E quando eu removi seus dados, BUM!, os resultados ficaram do jeito que eu queria. Alguns dias depois eu pensei: “O que aconteceria se esse cara estivesse no outro grupo?” A outra média ficaria ainda mais baixa e os resultados seriam ainda mais interessantes.
O problema é que quando eu eliminei este voluntário, achei que estava servindo à Ciência. Na minha cabeça, os dados estavam melhores sem ele do que com ele. Eu estava fazendo o trabalho de Deus no progresso científico. Eu não teria pensado nisso se ele estivesse no outro grupo.
Aí você pode ver como eu pensei que estava beneficiando a Ciência: eu estava fazendo os dados se encaixarem na minha expectativa e inventando histórias para remover os obstáculos. E realmente temos alguns indícios que apontam que as pessoas criativas trapaceiam mais.
RODOLFO: Porque eles tem incentivos maiores?
ARIELY: Porque eles conseguem inventar estórias melhores para si mesmos.
RODOLFO: Isto lembra o estudo de (Leon) Festinger onde ele pagava as pessoas para contar mentiras e os que recebiam menos dinheiro se sentiam mais apegados às lorotas, porque não admitiam receber tão pouco por sua integridade.
ARIELY: Exato. Conflitos de interesses são bons exemplos e estão em todas as partes: bancos, governos, regulamentação, farmacêuticas. Lá estava eu, querendo que os dados estivessem de uma forma, tentando me convencer de que estava fazendo a coisa certa, quando na verdade não estava.
RODOLFO: Os bônus funcionam desta forma.
ARIELY: Bônus, claro. Imagine que eu lhe pague um milhão de dólares cada vez que você escrever uma matéria boa sobre o Governo. Você escreveria uma porção de coisas boas. É muito complicado!
Claro que você pode tirar pessoas bêbadas de um experimento, mas esta regra tem que ser definida antes. Você não pode fazê-lo depois de ver os resultados.
Então eu tenho regras bem específicas sobre meus conflitos de interesses. Eu nunca faço consultoria. Se eu for pago por uma empresa, deixarei de ver as coisas objetivamente.
Mestre em Administração pela PUC-RJ; Pós Graduado em TI pela FGV-RJ; Bacharel em Comunicação Social pela UFRJ.
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