Erros de gestão nas grandes corporações americanas, mais do que problemas financeiros e bancários, provocaram a crise internacional, afirma o polêmico professor Henry Mintzberg, da Universidade McGill, do Canadá.
Mintzberg diz que muitos CEOs, alienados da realidade, ignoraram riscos óbvios. Conhecido pelas ácidas críticas à educação executiva tradicional e autor do livro MBA? Não, Obrigado, Mintzberg é cofundador de um curso alternativo de administração. O professor canadense esteve no Brasil em abril para preparar um dos módulos que será ministrado na Fundação Getulio Vargas, do Rio de Janeiro, e falou à DINHEIRO. A seguir, os principais trechos da entrevista:
Acredito que a crise que começou nos Estados Unidos não foi econômica nem bancária. É uma crise de gestão, principalmente. Havia gestores totalmente desconectados da realidade, ganhando bônus milionários. Como pode ter acontecido a crise das hipotecas de alto risco? Todos os presidentes dos bancos e seguradoras simplesmente não sabiam o que ocorria em suas empresas e não se interessavam por saber.
O que está errado na política de remuneração?
Acho que nenhuma empresa deveria conceder bônus para os CEOs e pagar salários tão altos. A estrutura de remuneração das empresas hoje, simplesmente, passa a mensagem errada. Na lista das 500 maiores empresas americanas da revista Forbes, só três ou quatro companhias não concedem bônus aos seus executivos e a proporção deveria ser inversa.
O que essa compensação excessiva está dizendo ao mercado é que o CEO é a única pessoa importante da companhia. Se um CEO ganha 400 ou 500 vezes mais que a média dos demais funcionários, a empresa está dizendo que ele vale muito mais do que todos os outros e que os resultados vêm de um esforço individual e não coletivo. É preciso que a empresa seja vista como uma comunidade para engajar os empregados e que eles tenham responsabilidade sobre os resultados.
Qual o efeito disso?
Quando o CEO é visto como o principal e único responsável pela empresa, todo o resto vira “recursos humanos” passíveis de downsizing . Novamente, é uma mensagem errada, de que a administração depende de uma só pessoa. E isso não mudou. Mesmo depois da crise, essa lição não foi aprendida.
As opções de ações não significam um compromisso maior do executivo com os resultados da empresa?
Sou totalmente contra a concessão de opções de ações como maneira de remunerar os diretores. Se o executivo quer participação acionária, que compre as ações no mercado. Essas políticas são a razão pela qual as empresas americanas estão em dificuldades. O melhor que as empresas brasileiras têm a fazer é fugir do modelo americano.
O sr. também faz críticas em um de seus artigos à administração visando a criação de valor para o acionista?
Ter como meta a geração de valor para o acionista é a pior ideia da história da administração de empresas. Isso está acabando com os negócios. Esse parâmetro não mede o sucesso de longo prazo, só o de curto prazo.
Todos aqueles bancos e seguradoras de Nova York iam muito bem no curto prazo e estavam falidos três ou quatro anos depois. Além disso, esse conceito implica a noção de que os únicos envolvidos na empresa que importam são os donos. Ninguém mais conta: nem os empregados nem os consumidores.
Quais são os efeitos práticos desse princípio de gestão?
Até hoje, o principal efeito foi manter baixos os salários dos funcionários e aumentar os bônus da alta gerência. No limite, o modelo de criação de valor para o acionista levaria uma empresa a demitir a maior parte dos funcionários e vender seu estoque. A empresa seria muito lucrativa até o estoque acabar e ela ser fechada. Então, é isso que, de certa forma, as empresas têm feito, ao criar valor para os acionistas nas costas dos trabalhadores e da média gerência, que sofre com as pressões dos dois lados.
Por que o sr. critica tanto os cursos de MBA, que se tornaram símbolos da formação de um administrador de empresas?
Os programas de MBA até são bons no ensino de marketing, finanças ou contabilidade. Mas, o problema é que você não cria um gestor numa sala de aula.
É por isso que é preciso distinguir os MBAs para pessoas jovens e para alunos mais velhos. No modelo típico, você coloca numa classe pessoas de 23, 25 ou 27 anos, que nunca tiveram uma posição de gerência e supostamente os transforma em gestores. Eles são perigosos, porque pensam que sabem gerir, mas não sabem.
Os cursos de formação executiva são inúteis, então?
Não acho isso. A formação executiva é um instrumento poderoso, mas deve ocorrer no momento certo. Defendo um modelo de educação executiva para pessoas com experiência em gestão. É o que estamos tentando fazer no International Masters Program in Practicing Management, resultado de uma parceria de universidades no Canadá, Reino Unido, na China, Índia e no Brasil.
No período de um ano e meio, os estudantes passam temporadas de duas semanas em cada universidade (no Brasil, a parceria do IMPM é com a Fundação Getulio Vargas, do Rio de Janeiro). Todos os estudantes são mais velhos, entre 35 e 55 anos, e, quase sempre, enviados pelas empresas. Nós abandonamos o estudo de casos: em vez de discutir situações que não têm nenhuma relação com o dia a dia deles, em metade do tempo eles compartilham suas experiências.
Qual será o tema do módulo brasileiro do programa, em outubro?
A mudança na administração. Acho que o Brasil é o país perfeito para tratar desse tema, pois tem, atualmente, uma das economias mais interessantes do mundo. Os gestores precisam prestar atenção às iniciativas baseadas na comunidade. E não há outro país que tenha tantas iniciativas sociais. O Brasil tem tratado de maneira inovadora problemas que vão desde o tratamento da Aids até a pobreza, com o Bolsa Família ou o uso do etanol como combustível. É um grande número de iniciativas sociais.
No seu último livro, Managing: Desvendando o Dia da Gestão, o sr. diz que há uma valorização excessiva da liderança em contraposição à gestão. O que quer dizer com isso?
Nos últimos anos, nos Estados Unidos, deu-se muita importância à liderança, mas há um problema sério com líderes que não gerenciam. Ninguém fala sobre a liderança baseada na comunidade. Um gestor é alguém que arregaça as mangas, sabe o que está acontecendo em campo, sabe o que está acontecendo com os consumidores e está pessoalmente envolvido nas atividades da empresa. Não é alguém que está num pedestal.
O CEO ideal é alguém apaixonado, que não se vê como o foco principal das atenções, que encoraja o resto da equipe e é modesto. O líder precisa ser um gestor.
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