Se eu precisasse de apenas uma palavra para definir Aleksandar Mandić, utilizaria o termo "louco". Afinal, não é qualquer sujeito em sã consciência que abre mão de todas as garantias e direitos de um emprego vantajoso e estável para se arriscar em um negócio incerto e completamente obscuro. Após 17 anos trabalhando com automação de grandes linhas de produção na multinacional alemã Siemens, o sérvio-brasileiro se apaixonou pelas novas possibilidades tecnológicas que se descortinavam e revelavam um mundo inexplorado. "Se eu fosse pensar que eu ia para um negócio onde eu já tinha que pagar imposto adiantado, não tinha direitos, não tinha férias, não tinha nada, eu não teria mudado", brinca Mandic.
A sua habilidade de desmontar as coisas - nunca montar - se revelou não apenas nos eletrônicos, mas em todo o seu conceito de vida, destruindo as suas próprias zonas de conforto e se arriscando nos negócios só pra ver o que acontecia, como tudo iria funcionar. Deixou a multinacional para montar um serviço de BBS (Bulletin Board System) em 1990, sistema que conecta computadores através de linhas telefônicas, tal qual a World Wide Web (WWW). O serviço só fez sucesso com o boom da internet no mundo, em 1995. Resultado: a Mandic BBS se transformou em um dos mais representativos cases de negócios em rede do mundo – estudado até em Harvard. O resto da história, você confere logo abaixo.
Você desenvolveu um serviço pioneiro na época, que era um provedor de acessos via BBS. Como desenvolveu esse interesse pela área?
Acho que esse negócio já vem um pouco lá de pequeno. Quando eu era criança, tinha o dom de desmontar tudo, pra ver como funciona... claro que só desmontar, nunca fui bom em montar as coisas. Então era sempre curiosidade, como funcionava uma coisa, como funcionava outra, desmontava o aparelho de barbear, cheguei a desmontar um carro velho do meu pai, pra saber como as coisas funcionavam. Sempre se fala em empreendedorismo, mas eu sempre tive apenas talento técnico.
Eu trabalhava na Siemens, como você bem sabe, também em departamento técnico, que ia a campo fazer instalações grandes, como a da Volkswagen, onde automatizamos toda a linha de produção. E justo naquele tempo começaram a surgir os primeiros modems, a 300 bps, uma coisa que não dava 1/3 de Kbps... se você tem uma conexão de 1 Mbps hoje você acha ruim, imagine 1/3 de Kbps. Mas eu via que a turma da Alemanha entrava no computador aqui no Brasil pra resolver alguma coisa, pra 'cheirar' alguma coisa... e eu vendo isso, me interessei e falei para a própria Siemens que a gente deveria ter um sistema desse de comunicação entre nós, entre técnicos, onde nós poderíamos compartilhar programas, trocar dúvidas, e assim por diante.
Seria uma Intranet, como chamamos hoje?
É, era uma coisa assim... a gente chamava de BBS (Bulletin Board System) naquele tempo. Eu fiz esse projeto para a Siemens, e eles adoraram, cheguei até a ganhar um prêmio. Só que esse projeto acabou não sendo implementado. Naquela vontade de fazer aquilo funcionar, implementei o BBS lá em casa mesmo. Uma linha telefônica, na época, custava 4 mil dólares, e eu não tinha nem podia arranjar esse dinheiro para investir numa brincadeira. Aí eu lembrei que, quando casei, minha mulher veio como um "plano combo", com uma linha telefônica junto [risos]. Então pensei em usar essa linha telefônica para colocar meu sisteminha no ar, e ela falou: "não, essa linha telefônica é minha, é minha garantia perante o nosso relacionamento"... 4 mil dólares, era grana. Mas aí no fim deu certo e eu montei o BBS.
Só que o serviço naquele ano tava um pouco à frente do tempo, porque ninguém usava, era um produto que só eu tinha e demorou dois anos pra dar uma 'decoladinha'. Eu me lembro que em dois anos eu tinha 400 usuários, todos técnicos. A coisa começou a melhorar em 95, quando chegou a internet no Brasil. Nessa época eu já tinha 10 mil usuários, aí foi só virar a chave para, em mais três meses, ter 40 mil usuários. Foi aí que a coisa explodiu. Não foi uma coisa de "ah, eu tinha um sonho", não; eu não sabia que depois de cinco anos a internet chegaria e em três meses eu quadruplicaria a minha base.
O DONO | Mandic foi um empreendedor da área de tecnologia muito antes da era das startups: "se você pensar muito, há maiores chances de as coisas darem errado", afirma
|
Quando você decidiu deixar a Siemens para se dedicar ao novo negócio, foi uma decisão difícil?
Não. Mesmo porque, se eu tivesse pensado muito, não teria deixado a Siemens. Pra quê? Eu tinha um emprego numa multinacional, viajava ao exterior para atualizações profissionais constantemente, tinha meu carro pela empresa, tinha seguro-saúde, tinha aposentadoria garantida, tinha férias e tinha direitos. Se eu fosse pensar que eu ia para um negócio onde eu já tinha que pagar imposto adiantado, não tinha direitos, não tinha férias, não tinha nada, eu não teria mudado. Então foi uma decisão não pensada mesmo. Aliás, se você pensar muito, há maiores chances de as coisas darem errado.
Você acha que a Mandic BBS foi um empreendimento inovador?
O BBS já existia no mundo, o que eu fiz foi profissionalizar o BBS. Antes era uma coisa amadora, fundo de quintal, era uma coisa que não era sequer cobrada. Quando eu comecei a cobrar pelo serviço, começaram a me perguntar: "como você vai ganhar dinheiro numa coisa que todo mundo dá de graça"? Me perguntaram a mesma coisa mais à frente, no Mandic Mail... Eu falei: "eu vou vender qualidade", e pode ver que deu certo. Então o usuário se sentia como cliente, isso fez uma grande diferença.
Então o diferencial competitivo da BBS era o atendimento personalizado?
Era tudo, não era só o atendimento. Nós estávamos sempre à frente de qualquer outro BBS na época: tínhamos as últimas versões dos programas, tínhamos diferenciais como jogos, e outros recursos que os outros não tinham, como mais espaço em disco, o que quer dizer que contávamos com uma grande variedade de programas. Além do atendimento, fazíamos o social, como encontros, eventos. Isso aí foi um conjunto de coisas.
Olhando pra trás agora, como você analisa a venda da Mandic BBS, que àquela altura já era um case de sucesso?
Eu acho que aquilo foi o máximo, porque, na época que a gente vendeu a Mandic BBS em 99, três meses depois estourou a bolha*. Imagina se eu estivesse dentro da bolha, não valeria nada a empresa. É o mundo dos negócios, dos empreendimentos, quer dizer, a mesma coisa três meses depois não valeria nada.
Você anteviu essa 'bolha da internet'? Por que motivo você vendeu?
Não. Claro que você pode sentir essas coisas, mas quando eu vendi, meus concorrentes disseram: "parabéns Mandic, você tem visão", enquanto eu pensava: "eu vendi porque eu não enxergava mais nada" [risos].
Como você chegou à vice-presidência do IG?
Na verdade eu fui o fundador do grupo, o IG surgiu de uma conversa minha com o Henrique Neves (Ex-presidente da Brasil Telecom)... então quando eles aceitaram a minha ideia naquele 'bate-papo', acabou que eles me convidaram para trabalhar junto.
Quando você estava no IG, você decidiu deixar o cargo e reabrir a Mandic, desta vez com um novo foco de negócios, que seria com e-mails corporativos...
Na verdade eu sempre fui assim: primeiro jogo, depois analiso. Na verdade, quando eu saí do IG (eu iria sair de qualquer jeito, com todos da diretoria), essa transição já iria existir. O que eu deveria ter feito, era ter ficado quieto, ter ficado em casa, pego um avião e ido pra Paris [risos]. E eu, naquele momento de agir, reabri a Mandic, e isso foi bom, hoje ela é uma empresa S.A, é bem sólida no mercado, fatura bem. Mas ela passou uns bons quatro anos como um 4x4 ligado o tempo todo para sair do atoleiro. E não dá pra voltar no tempo, então eu tinha que fazer a coisa, e depois a coisa deu certo. Quando um produto ou serviço tá um pouco à frente dos demais, ele custa pra vender... hoje, por exemplo, eu vendo e-mail num mundo onde essa ferramenta é grátis, e fazemos sucesso.
Mas porque você resolveu trabalhar com e-mails corporativos? Antigos provedores de acesso, como o UOL, Terra, Globo.com resolveram trabalhar com conteúdo jornalístico...
O que o UOL faz há cem anos? Notícia. A Globo.com a mesma coisa. Então é a origem deles. A minha origem não é essa; você não vê o portal da IBM, por exemplo, publicando notícias. Graças a Deus eles não se meteram no meu caminho, e eu não consigo me meter no caminho deles.
Então você tem o seu próprio mercado, seu próprio nicho?
Na verdade eu devia até abrir uma igreja, a IBM, Igreja do Bispo Mandic, por que tem clientes que me seguem pra onde eu vou [risos]. Virou religião.
Atualmente, segundo alguns analistas, o mercado está na iminência de uma nova bolha da internet, devido à supervalorização das redes sociais, assim como aconteceu no começo do milênio com as ponto.com. Como você enxerga o mercado da internet hoje?
O mercado hoje tá aquecido, com muitas fusões e aquisições, o mercado consumidor tá crescendo, tá todo mundo entrando na internet. Então tem coisas legais acontecendo nesse mercado, que começou a aquecer depois de alguns anos meio 'chocho'...
Você acha que pode acontecer uma nova crise com a supervalorização de empresas que prestam serviços na internet, como as redes sociais?
Crise sempre vai existir... desde que eu nasci existem crises. Eu quero saber de um ano em que você, andando por aí, não achou uma crise. É a crise da Rússia, crise da China, depois passa para os Estados Unidos, depois Brasil, agora Argentina... umas são maiores, outras são menores. A crise é um mal necessário; é como uma tempestade, que chove, mas é pra limpar. A crise limpa o mercado... os bons ficam e os ruins vão embora, vão ser evaporados depois lá no oceano.
Saindo um pouco desse assunto, ano passado você tentou se candidatar a deputado federal... como se deu essa decisão? Como você analisa hoje?
Essa ideia na verdade não partiu de mim, partiu do Kassab, que me convidou. Ele disse: "nas próximas eleições, é a tecnologia que vai mandar, você tem que se candidatar". Foi uma experiência legal, mas tem um ditado que diz que quem tem clientes tem saudades de patrão. E eu complemento: quem tem eleitor tem saudades de clientes. Meu negócio é empresa, não é política... e olha que nem fui eleito.
Então você não pretende se candidatar novamente?
Não... eu acho que você tem que ter talento pra essas coisas. Tudo na vida, para dar certo, tem que ter três coisas: talento, trabalhar muito e ter sorte. Na política, até agora, eu só vi que trabalhei muito; eu não tenho talento e não tive sorte [risos]. Pra isso o cara tem que nascer político, o que não é meu caso. Foi bom, foi legal ver como funciona, mas empresa é muito mais fácil.
Pra encerrar, quais são as 'mandicas' que você gostaria de deixar para os leitores?
Como a gente tava falando de crise, a mandica é: tire o 's' da crise, crie. Criar é muito mais legal.
*Entre os anos de 1999 e 2000, as empresas de internet, conhecidas como ponto.com, tiveram suas ações supervalorizadas pelos especuladores. No auge da bolha especulativa, o índice Nasdaq passou de 5 mil pontos. Quando a bolha secou, as empresas já tinham investido todo o capital de risco e os preços das ações despencaram, causando a quebra, vendas e fusões da maioria delas.
FONTE: ADMINISTRADORES
0 Comentários:
Postar um comentário