Em 2010, o Pacto Global da ONU lançou um Plano para Liderança em Sustentabilidade com o objetivo de definir um modelo de atuação para as empresas signatárias e, assim, contribuir para desenvolver capacidades, habilidades e recursos. Na introdução do documento de 20 páginas, a entidade reconhece que embora haja mais presidentes de empresa e conselhos de administração liderando a agenda da sustentabilidade, o conceito ainda "não penetrou na maioria das empresas que operam nos mercados em todo o mundo." Minha experiência confirma essa interpretação.
Na sua história de mais de 10 anos, o Pacto Global afirma ter aprendido duas lições importantes. A primeira é que o alto desempenho em sustentabilidade das empresas líderes consiste em abundante fonte de inspiração para aquelas que "se encontram nos degraus mais baixos da pirâmide da sustentabilidade." E a segunda diz respeito ao fato de que os atuais desafios globais –entre eles os de clima, água, paz e biodiversidade -- requerem novos compromissos para as empresas que desejam "efetivamente cumprir a promessa da sustentabilidade."
Objeto de intenso debate com as empresas signatárias e suas partes interessadas, órgãos do sistema ONU e especialistas, o plano apresenta três dimensões. Uma se refere à implantação dos já conhecidos 10 Princípios em estratégias e operações de negócios, incluindo a definição de políticas e procedimentos de gestão, adequação às funções corporativas e unidades de negócio e a implementação na cadeia de valor.
A segunda tem a ver com o apoio das empresas às questões mais amplas da ONU – Paz e Segurança, Objetivos de Desenvolvimento do Milênio, Direitos Humanos, Direitos da Criança, Igualdade de Gênero, Saúde, Educação, Assistência Humanitária, Migração, Segurança Alimentar, Ecossistemas Sustentáveis e Biodiversidade, Mitigação e Adaptação às Mudanças Climáticas, Segurança Hídrica e Saneamento, Emprego e Condições Decentes de Trabalho; e Combate à Corrupção.
O texto reforça a necessidade de planejar as contribuições do negócio principal da empresa para esse conjunto de questões, defende investimentos sociais estratégicos, participação em campanhas e políticas públicas e ações cooperativas.
Já a terceira dimensão sugere o engajamento ao Pacto Global, por meio da formação de redes, grupos de trabalho locais e globais, e iniciativas setoriais e temáticas.
Na intersecção dessas três dimensões, o Pacto Global identificou o que classifica como quatro "componentes transversais". A liderança comprometida dos presidentes é o primeiro da lista.
Segundo o modelo proposto, o principal executivo deve "fazer declarações públicas claras e demonstrar liderança pessoal em sustentabilidade." É seu papel também promover iniciativas para ampliar o debate do conceito no setor de atuação, além de comandar o desenvolvimento de normas setoriais específicas. Espera-se ainda que ele lidere uma diretoria ou um grupo de executivos na realização da estratégia de sustentabilidade empresarial, definindo objetivos claros e assumindo pessoalmente a responsabilidade por sua consecução.
Recomenda, por último, que o presidente inclua os critérios de sustentabilidade –e os princípios do Pacto Global—nos grandes objetivos e nos sistemas de incentivo para diretores.
O segundo componente transversal trata do Conselho de Administração-- ou instância equivalente—que ser responsável por gerenciar a estratégia e o desempenho de longo prazo, a criação de comitês, e a elaboração de um relatório de sustentabilidade.
Os líderes –sugere o documento-- têm papel fundamental na consolidação dos outros dois componentes. É seu dever reconhecer publicamente os impactos da empresa, criar alternativas de engajamento e consulta das partes interessadas e comandar a estratégia de sustentabilidade em sintonia com os públicos de interesse. Eles precisam ser os porta-vozes da transparência, comunicando informações de interesse dos seus públicos e da sociedade.
No livro Conversas com Líderes Sustentáveis (editora Senac-SP/2011) propus, a partir de uma análise livre do modelo proposto pelo Pacto Global da ONU, 20 atribuições para um líder em sustentabilidade. São elas:
1) Comandar a elaboração de uma estratégia consistente de sustentabilidade para a empresa, buscando a cooperação entre as diferentes áreas e as questões/causas mais relevantes para o negócio e o seu setor de atuação; fazer com que o conceito permeie a cultura organizacional, transformando-o em um valor corporativo relevante para a definição da identidade da companhia;
2) Garantir uma coordenação entre as diversas funções corporativas da empresa com o objetivo de maximizar o desempenho em sustentabilidade;
3) A partir de uma análise permanente de cenários, avaliar riscos e oportunidades relacionados a questões de sustentabilidade para a empresa e o setor;
4) Assegurar que a empresa identifique, de forma clara, todos os impactos socioambientais negativos causados por suas operações; cuidar para minimizá-los ou eliminá-los;
5) Definir políticas específicas e cenários para o futuro, estabelecendo metas mensuráveis de curto, médio e longo prazos;
6) Envolver e educar funcionários e colaboradores, adotando programas de treinamento e desenvolvimento, e também sistemas sólidos de incentivo;
7) Realizar monitoramento e mensuração de desempenho baseados em métricas específicas para, por exemplo, gestão de água, energia, emissões de gases de efeito estufa, poluição, efluentes e biodiversidade;
8) Responsabilizar pela execução da estratégia áreas corporativas essenciais como Compras, Marketing, Recursos Humanos, Jurídico e Relações Institucionais, assegurando que nenhuma delas atue em conflito com os compromissos e objetivos de sustentabilidade da empresa;
9) Alinhar estratégias, metas e estruturas de incentivo de todas as unidades operacionais com os objetivos e compromissos de sustentabilidade da empresa;
10) Analisar cada elo da cadeia de valor, mapeando impactos, riscos e oportunidades;
11) Envolver fornecedores na estratégia de sustentabilidade; sensibilizar, treinar e capacitar parceiros de negócio; monitorar o quanto estão alinhados com os compromissos e práticas da empresa;
12) Rever processos e modos de produzir; desenvolver produtos e serviços ou conceber modelos de negócio que contribuam para promover a sustentabilidade;
13) Realizar investimento social alinhado com as competências da empresa e o contexto operacional de seu negócio, enquadrando-o em sua estratégia de sustentabilidade; atuar sempre em sintonia com as políticas públicas correlacionadas para garantir maior eficácia nos resultados;
14) Integrar campanhas e iniciativas públicas, assumindo, em suas comunicações (palestras, aulas magnas e artigos) compromissos com as questões mais relevantes de sustentabilidade;
15) Coordenar esforços com outras organizações—de primeiro, segundo e terceiro setor—para potencializar investimentos e não anular outras iniciativas de desenvolvimento sustentável;
16) Cooperar com organizações do mesmo setor e outras partes interessadas em iniciativas que ajudem a encontrar respostas para desafios comuns, local ou globalmente, com ênfase àquelas que venham a ampliar o impacto positivo na cadeia de valor;
17) Fazer o papel de mentor para empresas do mesmo setor ou de outro setor que ainda se encontrem em estágio inicial de implantação de práticas sustentáveis; na condição de referência em liderança em sustentabilidade, facilitar o acesso a informações por parte daqueles que desejam conhecer a política da empresa;
18) Comunicar, de forma ampla, os resultados e a evolução de suas práticas de sustentabilidade, visando prestar contas às partes interessadas e à sociedade; e também emular o comportamento sustentável de outras empresas;
19) Envolver e educar os stakeholders para que eles conheçam as políticas da empresa e participem, a seu modo, da consecução delas no dia a dia;
20) Capitanear o processo de mudança, inserir as dimensões social e ambiental na noção de sucesso empresarial, superar a inércia e o apego aos modelos consagrados, estabelecendo uma visão e uma missão de sustentabilidade.
Atribuições como essas podem ser utilizadas, por exemplo, para definir um padrão de competências de liderança sustentável oferecer suporte a uma política de sustentabilidade, elaborar diretrizes de programas de treinamento e desenvolvimento e estabelecer novos critérios de recompensa para executivos. É só botar mãos á obra. E dar o primeiro passo.
FONTE: Administradores
Texto de Ricardo Voltolini que é diretor da consultoria Ideia Sustentável: Estratégia e Inteligência em Sustentabilidade e publisher da revista Ideia Sustentável.
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