Cada vez mais eu me convenço de que a maioria dos problemas que enfrentamos é resultado de incentivos mal planejados. Seja na hora em que temos que fazer algo, ou quando alguém tem que fazer algo por nós, o descasamento entre expectativa e entrega normalmente resulta de motivação desregulada.
Ian Ayres escreveu um livro inteirinho sobre isso, o qual recomendo entusiasticamente: Carrots and Sticks: Unlock the Power of Incentives to Get Things Done. Já escrevi, inclusive, dois textos sobre ele: Força de vontade: a má notícia e Força de vontade: a boa notícia (muito criativo, não é?). Dele vem a principal ideia por trás desse texto - que muitos de vocês vão detestar, tenho certeza.
Pois bem, tudo começou dois finais de semana atrás, quando passeava de carro num sábado e vi diversos motoristas conversando ao celular enquanto dirigiam. Sem emergências, sem assuntos de trabalho, puro descaso com a segurança alheia. Comentei minha indignação no Facebook e logo vieram as educadas contestações.
Uma disse que era muito habilidosa e conseguia manusear perfeitamente o aparelho enquanto dirigia. Outra retucou estar dentro da lei, porque usa o bluetooth do veículo. Ambas estão erradas.
O problema ao conversar ao celular enquanto dirige não é ter as mãos ocupadas - é ter a cabeça ocupada. Diversos estudos comprovam que o hábito multiplica as chances de a pessoa se envolver num acidente.
Algo bem diferente de ouvir música ou bater papo com alguém sentado no banco do carona - que são atos que exigem parcelas de concentração e esforço mental infinitamente menores.
E foi aí que a conversa ficou interessante, pois veio o onipresente argumento de que as multas são um absurdo, porque o dinheiro proveniente delas não é revertido em benefícios para o cidadão, tais como melhor sinalização, ruas menos esburacadas, semáforos mais modernos etc. Foi quando caiu a ficha e o Ian Ayres entrou na parada.
A multa, por definição, deve servir como uma punição, um castigo, certo? Se uma multa é aplicada em seu benefício, ela deixa de ser um castigo e passa a ser uma benfeitoria. Uma benfeitoria pela qual você paga compulsoriamente mas, ainda assim, uma benfeitoria.
Ayres cita pessoas que buscam objetivos particulares e fazem apostas consigo mesmas para se forçarem a cumpri-los. Algo como: vou perder cinco quilos em seis meses, senão vou doar US$ 100,00 para uma instituição de caridade.
O argumento dele é que doar US$ 100,00 para uma instituição de caridade é algo altruísta e que você vai se sentir bem fazendo. É uma boa ação, logo, como fator motivacional é um desastre, porque você será capaz de encontrar uma ótima justificativa para perder a aposta, em vez de peso.
Para que o incentivo realmente funcione, você precisa doar o dinheiro para uma causa que não apoie! Algo que vá contra seus princípios, para que você realmente se esforce para evitar.
Daí vem, então, minha estapafúrdia sugestão: o dinheiro das multas deveria ser destinado a festas, viagens e comilanças dos políticos. Cada um teria uma verba extra para torrar com o que bem entendesse, sem necessidade de prestação de contas. Passagens de primeira classe, jantares nos melhores restaurantes, carros importados, pizzas e toda a sorte de luxúrias impublicáveis...
Já posso imaginar a leitora toda nervosinha aí do outro lado. Mas vamos pensar um pouco mais no caso: se o dinheiro não é usado para asfaltar ruas, pintar faixas ou aumentar a segurança, para onde ele vai? Se você não consegue pensar em algo, sugiro que releia o parágrafo anterior. Tem algumas pistas nele...
Então, provavelmente o dinheiro já está tendo um rumo errado. Minha sugestão é apenas que isso seja formalizado, institucionalizado. Ao menos assim, você que fala ao celular enquanto dirige, terá a certeza de que você está fazendo seu político mais feliz. (Estou supondo que você se lembre em quem votou.)
Ou então, se você realmente não quer que isso aconteça, vai com essa mania imbecil de telefonar enquanto dirige. Embora eu continue achando que zelar pela sua segurança, das pessoas que estão no seu carro (sim, seus filhos também contam) e dos estranhos à sua volta deveria contar muito mais.
Mestre em Administração pela
PUC-RJ; Pós Graduado em TI pela FGV-RJ; Bacharel em Comunicação Social pela
UFRJ.
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