sábado, 5 de março de 2011

Negociação ganha–ganha: utopia contemporânea?

Os manuais de negociação, de um modo geral apresentam quatro perfis de negociação: ganha-ganha, ganha-perde, perde-ganha e perde-perde. A pergunta que não quer calar é: no mundo atual, competitivo, onde as nações, as instituições, os empresários, e os indivíduos estão envolvidos na busca de resultados, há espaço para um pensamento do tipo ganha-ganha?

A preocupação com a otimização dos recursos, com a minimização dos custos e com a maximização de resultados tem espaço para este compartilhamento tão generoso propostos pelos estudos clássicos do tema?

A proposta deste texto é provocar uma reflexão, no sentido de que se entenda que, levando-se em conta a negociação por princípios, onde os negociadores são, em essência, solucionadores de problemas, consideram a necessidade de verificar suas potencialidades para obtenção destes resultados, sem que isso represente um ganho mútuo para os negociadores envolvidos no processo.

Deve haver sim, um foco na obtenção de resultados, sem que isso represente perda ou derrota do interlocutor (não estamos utilizando o termo adversário ou oponente), mas sim uma direção mais específica e definitiva em relação à meta estabelecida para cada um dos participantes do evento negocial.

A pré-preparação negocial
A fase que antecede a preparação ou planejamento negocial identifica quatro etapas, necessárias para que se entendam os caminhos (meandros) que permitem a consecução dos objetivos no processo:

• Moeda negocial: razão que leva as partes a empreenderem um processo de busca de resultados via negociação: por que negociar; qual a razão; qual o motivo de optar-se por uma negociação para obtenção de um determinado resultado.

• Objetivo: qual o foco da negociação: o que se pretende alcançar; qual a necessidade ou problema a ser solucionado com o uso de um processo negocial.

• Prioridade (ou escopo negocial): de que forma este objetivo deverá ser alcançado; em que condições este objetivo ou problema deve ser alcançado ou solucionado. Estas condições devem envolver: prazo, custo, dimensões, especificidades que a diferenciem de qualquer outra solução.
 
• Real interesse: qual o detalhe que o negociador considera não barganhável no processo negocial; que detalhes da negociação (demandas ou necessidades) o negociador considera que não deva flexibilizar durante o processo negocial.
 
Ao estabelecer, de forma clara o que pretende com a clarificação destes componentes, o negociador concentra subsídios para que seu planejamento negocial fique consistente.
 
Para que esta pré-preparação se torne objetiva o negociador deve desenvolver, na etapa seguinte, as fases do planejamento negocial, a partir do que estará devidamente instrumentalizado para confrontar suas necessidades com as necessidades de seus interlocutores (continuamos a insistir na não utilização dos termos adversários ou oponentes).

Planejamento ou preparação negocial
Com base no modelo de Negociação por Princípios existem passos que norteiam a fase de preparação (ou planejamento) negocial:
 
1. Pessoas
• Estilos, comportamentos e práticas: quem são as pessoas com as quais vamos nos confrontar; qual seu perfil, seu estilo predominante, qual a linha atitudinal e comportamental que essas pessoas praticam durante a negociação; qual seu histórico em negociações anteriores; quais os episódios que marcaram sua atuação como negociador; que informações outros negociadores que tiveram oportunidade de confrontar essas pessoas dispõem para compartilhar conosco.
 
2. Partes
• Inter-relações, implicações, contexto: qual a marca predominante desses negociadores, durante os processos do qual fazem parte; como agem nas fases preparatórias, com explicitam suas estratégias e táticas (com base em negociações anteriores).
 
3. Propósito
Propósitos, finalidade: Nesta fase da preparação, o negociador deverá concentrar-se após responder a estas quatro questões (moeda, objetivo, prioridade e real interesse) em sua linha de interesses (sempre com o foco nos interesses negociais, e não nas posições negociais; identificar qual o perfil destas mesmas questões em relação aos seus interlocutores. Destes quatro fatores: moeda, objetivo e prioridade poderão ser mais facilmente identificáveis; mesmo que o objetivo final a ser atingido não contemple 100% das informações necessárias haverá condições de obter um significativo acervo de pontos que facilitem a negociaçã. Já com relação ao real interesse, acreditamos ser pouco provável, na medida em que os negociadores tendem a não “abrir” a informação (em casos especialíssimos, onde o grau de confiança mútua entre negociadores supera a média, isto pode ocorrer, mas é raro).

4. Poder
• Fontes de poder: a identificação das fontes de poder que regem a negociação:
- Recompensa (trocas, concessões e barganhas)
- Coerção (pressão para obtenção de vantagens e resultados)
- Legitimidade (fundamentação em leis, regras, contratos, e instrumentos disciplinadores)
- Informação (base de dados selecionada), conhecimento (tratamento adequado das informações e seu uso em prol do resultado negocial)
- Persuasão (poder pessoal, de argumentação, de convencimento e de influência sobre os outros negociadores) determina o “cacife” do negociador.
 
5. Posicionamento estratégico
• Abordagem do conflito: o modelo de negociação prevê a negociação branda, onde os interlocutores tem uma relação interpessoal marcada pela confiança mútua; não há agressividade em relação aos negociadores nem em relação aos problemas; prevê-se também a negociação hostil, onde não há confiança e sim desconfiança recíproca, e os problemas e as pessoas recebem tratamento agressivo.
 
No cenário competitivo e contemporâneo das negociações o modelo adequado é o da negociação por princípios: negociadores são solucionadores de problemas, são abandonados o pré-conceito (onde posições são fixadas em relação a pessoas ou situações sem que haja um fundamento lógico), ou o preconceito (onde as posições são fruto de uma visão crítica desfavorável, com base em pensamentos e fundamentos consolidados previamente).

Na negociação por princípios prevalece a abordagem assertiva (franca, objetiva e sincera) em relação aos problemas e a abordagem objetiva em relação aos problemas (solucioná-los e não considerá-los insuperáveis).
 
6. Passos táticos
- Abertura, exploração, fechamento: os caminhos para a tática negocial passam pela necessidade de considerar:

- Iniciativa: deve ser tomada quando houver informações suficientes, em casos de dúvida esperar momentos mais adequados.

- Início das transações: de forma otimista, questionando e observando as possibilidades de seus interlocutores.

- Estratégias de concessão: de forma objetiva, sem fazer concessões excessivas no início, nem pobres em opções.

- Estratégias de fechamento: prazos claros, sem “rabichos”. Todos os pontos acertados de forma integral.

- No tocante ao tratamento das diversas nuanças do problema:

. Quando houver informações suficientes exporem suas preocupações quanto ao aprofundamento do problema; em caso de dúvida ou de informações insuficientes, aguardar momento mais propício;

. Deixar claro para seus interlocutores as suas dúvidas e questionamentos sobre os assuntos pertinentes à negociação;

. Não fazer as melhores concessões no início da negociação, nem aceitar as primeiras exigências do interlocutor;

. Eliminar todas as dúvidas; clarificar todas as cláusulas negociadas; só considerar o fechamento da negociação quando todos os pontos estiverem esclarecidos de forma consolidada (toda a negociação).
 
7. Pontos de recuo
• Até onde levar a negociação; estabelecer um limite, a partir do qual a negociação será interrompida, ou em caso extremo abandonada; lembrar-se que mais vale abandonar uma boa negociação do que carregar um acordo de má qualidade, sobre o qual será pago um preço desagradável.
 
8. Melhor alternativa - Plano B
• Qual a melhor alternativa disponível para esta negociação, se não obtiver um acordo satisfatório; qual o plano B (alternativa fora da negociação) que permita atingir os objetivos traçados.
 
9. Precauções
- Cuidados diante da realidade

- Quais os tabus que devem ser considerados na negociação.

- Quais as objeções a serem superadas: dificuldades de informação, má qualidade da argumentação, objetivos mal elaborados, despreparo dos negociadores (estas situações valem para todos os lados da negociação).

- Problemas de natureza física, mental, espiritual, que podem comprometer a negociação.

- Importante considerar não só o seu lado na negociação, mas as objeções que podem afetar todos os envolvidos.

10. Questionamentos
- Quais as questões que devem ser formuladas para o interlocutor durante a negociação.

- Quais as questões que o interlocutor poderá fazer durante a negociação e qual o perfil mais adequado para as respostas a serem dadas.

- É importante lembrar que a qualidade das perguntas é responsável por significativa parte do sucesso dos processos negociais.

Conclusão
Todo o quadro da pré-preparação negocial e do consequente planejamento levam a uma conclusão: o negociador tem como objetivo alcançar o resultado que lhe será favorável. A expressão ganha-ganha não faz parte desse contexto, na medida em que seu foco será a consecução de seu objetivo; se seu interlocutor atingirá seu objetivo ou não este problema seguramente não estará entre suas preocupações.

Existe a negociação ganha-perde, onde o negociador tudo fará para que seu interlocutor seja “derrotado” no processo negocial. Haverá uma negociação perde-ganha, onde um negociador, por despreparo, por desinformação ou mesmo por uma questão estratégica (pode acontecer) opte por “entregar o ouro”.
 
Mas a negociação ganha-ganha, apregoada como a mais nobre das ações humanas não passa de uma fantasia, em um cenário de competição e competitividade onde o foco é resolver seus problemas, evidentemente sem tentar destruir o interlocutor.

No entanto, ao se preparar de forma conveniente para uma negociação o negociador deve dirigir seu foco para seus interesses. De uma maneira a superar eventuais obstáculos, apresentados por seu interlocutor, que impeçam ou dificulte a consecução de seus objetivos.

Mas imaginar que, neste momento ele está preocupado com o que o outro vai ganhar, repetiremos Olavo Bilac: ora direis, ouvir estrelas.
 
TEXTO DE: Francisco Bittencourt (Consultor Sênior do Instituto MVC e Professor dos MBAs Executivos da FGV)

RETIRADO DE: HSM OnLine http://www.hsm.com.br/  

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